Publicação do governo turco apresenta usina nuclear na Turquia como um sucesso da estratégia energética imperial da Rússia
A edição de dezembro de 2024 da *Communication and Diplomacy*, uma revista do governo turco de propriedade da Diretoria de Comunicações – que também funciona como escritório de propaganda do presidente Recep Tayyip Erdogan –, publicou uma análise sobre o programa de treinamento de pessoal para os empregados da usina nuclear de Akkuyu (NPP), atualmente em construção em Mersin, que está programada para iniciar a produção de energia em julho de 2025. O estudo destaca a dupla funcionalidade da iniciativa de bolsas de estudos para o treinamento dos profissionais da usina, que atende tanto às necessidades técnicas da Turquia para o seu primeiro projeto nuclear quanto às ambições mais amplas da política energética e externa da Rússia.
Escrito pelos pesquisadores Büşra Selin Erdogan, assistente na Presidência para os Turcos no Exterior e Comunidades Relacionadas (*Yurtdışı Türkler ve Akraba Topluluklar Başkanlığı*, YTB), e Burak Erdogan, assistente de pesquisa da Universidade de Ancara, o artigo descreve o programa de treinamento de pessoal da Akkuyu NPP como um exemplo bem-sucedido das políticas cuidadosamente planejadas da Rússia, que estão alinhadas com suas prioridades de política externa. “É justo afirmar que a Rússia realiza uma diplomacia educacional eficaz e compatível com seus próprios interesses por meio do programa de bolsas, executado de forma meticulosa”, concluem os autores. A iniciativa demonstra como a Rússia combina sua política energética com a diplomacia educacional como parte de sua estratégia “imperial”, utilizando essas ferramentas para fortalecer sua influência sobre parceiros-chave como a Turquia.
O programa, iniciado em 2011, já treinou mais de 319 engenheiros turcos em universidades russas, que agora trabalham na Akkuyu, localizada na costa do Mediterrâneo, no sul da Turquia. Segundo o estudo, isso garante que profissionais altamente qualificados, familiarizados com os padrões e práticas energéticas russas, sejam o núcleo da força de trabalho nuclear da Turquia. Essa estratégia reforça a presença operacional da Rússia no projeto Akkuyu e sublinha sua abordagem calculada para expandir sua influência. “Por meio de um planejamento meticuloso, a Rússia garante que trabalha com recursos humanos confiáveis e familiarizados”, destacam os autores, descrevendo como o programa assegura tanto a expertise técnica quanto a consolidação dos laços bilaterais.
Um aspecto único do programa é sua profundidade cultural e educacional. Os participantes são obrigados a aprender russo e a se adaptar ao ambiente acadêmico das instituições russas. Isso não só os prepara para as exigências técnicas do setor nuclear, mas também promove uma integração mais profunda com as normas profissionais e culturais russas. O estudo aponta que essa imersão aumenta o poder brando da Rússia, criando uma força de trabalho na Turquia moldada por metodologias e estruturas culturais russas.
A análise, no entanto, evita descrever o programa como uma ameaça direta à soberania turca. Em vez disso, apresenta uma perspectiva mais equilibrada, reconhecendo os benefícios mútuos da iniciativa enquanto destaca seu alinhamento com os interesses estratégicos da Rússia. Os autores ressaltam como a abordagem educacional da Rússia serve para inserir sua influência em setores críticos como o da energia, observando que esse equilíbrio cuidadoso permite a Moscou consolidar sua posição como um ator-chave nas ambições nucleares da Turquia.
O momento do programa é particularmente notável. A primeira licença do reator Akkuyu foi concedida em 2018, mas o programa de treinamento de pessoal começou já em 2011. Isso sugere que a iniciativa fazia parte de uma estratégia de longo prazo para estabelecer uma base sólida para o envolvimento russo no setor nuclear turco. Ao iniciar o programa com antecedência, a Rússia garantiu que o pessoal turco seria treinado e estaria pronto para operar dentro de um sistema fortemente influenciado pela expertise e práticas russas.
O artigo também contextualiza a iniciativa Akkuyu dentro da histórica dependência da Rússia em usar a diplomacia educacional como uma ferramenta de influência. A Rússia tem há muito tempo utilizado suas instituições acadêmicas para projetar seu poder brando internacionalmente. O programa Akkuyu se encaixa em uma estratégia mais ampla que inclui o treinamento de estudantes de mais de 65 países em disciplinas nucleares. Embora isso melhore a reputação global da Rússia na educação nuclear, o estudo destaca que o papel da Turquia como parceira em um projeto tão estrategicamente significativo torna os programas da Akkuyu particularmente impactantes para a política externa russa.
Uma das principais observações do estudo é a interconexão deliberada entre as estratégias energética e educacional da Rússia. Ao integrar esses dois domínios, a Rússia se posiciona como um parceiro indispensável para a jornada nuclear da Turquia. Os autores enfatizam que essa abordagem dual não apenas atende às necessidades operacionais da Rússia, mas também garante laços culturais e profissionais duradouros entre as duas nações. Essa estratégia sofisticada exemplifica como Moscou utiliza tanto o poder duro quanto o brando para manter sua influência sobre seus parceiros.
O texto argumenta que, embora o programa de treinamento seja mutuamente benéfico, há riscos potenciais para a Turquia. A crescente dependência da Turquia na expertise russa no setor nuclear pode comprometer sua capacidade de desenvolver e gerenciar independentemente suas capacidades nucleares. Essa dependência pode limitar a autonomia estratégica da Turquia e aumentar sua exposição a influências externas em um setor crucial. Embora isso não seja explicitamente declarado, o artigo sugere que há implicações de longo prazo para o setor energético turco.
Além disso, os aspectos culturais do programa devem ser considerados. Embora aprender russo e adaptar-se a ambientes acadêmicos russos não sejam inerentemente negativos, esses requisitos podem levar a laços culturais mais fortes entre a força de trabalho turca e as instituições russas. Ao longo do tempo, isso pode influenciar as políticas domésticas da Turquia e suas relações internacionais, potencialmente alinhando-as mais de perto com as perspectivas e interesses russos. Isso é algo que os formuladores de políticas devem considerar como parte das implicações mais amplas dessa parceria no setor de energia nuclear.
A Turquia anunciou em 2022 que não seria acionista da Akkuyu NPP, apesar de suposições anteriores. Foi esclarecido que a Turquia não está contribuindo para os custos de construção, e seu envolvimento está limitado a um contrato obrigatório de compra de energia elétrica, sem planos de adquirir participação na usina.
O presidente Erdogan não considera a dependência da energia russa como uma preocupação nacional. Durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2024 (COP 29), em Baku, em 12 de novembro, Erdogan destacou o compromisso da Turquia em alcançar a neutralidade de carbono até 2053, apontando a energia nuclear como uma peça central dessa estratégia. Ele anunciou a meta de atingir uma capacidade de 20.000 megawatts de energia nuclear até 2050, revelando planos para outras duas instalações nucleares: uma em Sinop, na costa do Mar Negro, e outra na região da Trácia.
Para a usina de Sinop, a Turquia pretende continuar sua parceria com a Rússia, replicando o modelo de Akkuyu. Em uma entrevista à rede russa RT, em 27 de outubro, Alexey Likhachev, chefe da Rosatom, confirmou que Erdogan convidou a organização a liderar o projeto de Sinop. Segundo relatos, Erdogan já teria chegado a um acordo sobre o assunto com o presidente russo Vladimir Putin.
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