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O Gazetecil Turco

O Gazetecil Turco
novembro 07
16:36 2016

Vivemos hoje num corpo global que integra as emoções mais simples da alma humana até as mais complexas equações matemáticas: O coração do mundo hoje habita o Oriente, em contrapartida, a racionalidade, a ciência, enfim, o ‘cérebro’ do qual fazemos parte se encontra no Ocidente. Vivemos num constante estado de equilíbrio, num mundo amplamente desequilibrado”, suspira Kamil Ergin enquanto toma uma pequena xícara de café e degusta um pequeno doce caseiro do Centro Cultural Brasil-Turquia, no bairro do Borda Gato, na grande São Paulo.

Para o gazetecil, jornalista, turco, impossibilitado de voltar à sua terra natal desde a tentativa de golpe contra o governo Erdogan, em julho desse ano, é por conta da autocracia das figuras de poder e da avareza política e econômica de líderes mundiais que vivemos, hoje, um cenário de incertezas e inseguranças: “Vivemos hoje num cenário onde a democracia, ou melhor, a vontade soberana do povo de pautar mudanças no país ainda são os melhores remédios para esse período enfermo. Seja na Síria, no Líbano ou ainda sob a tutela ditatorial do atual presidente turco, é preciso que a própria humanidade se reconheça como prisioneira para, assim, propor mudanças e quebrar suas correntes.” Jornalista de um dos maiores jornais da Turquia, o Zaman, Kamil sempre tomou a frente da defesa dos direitos humanos, da laicidade do estado e, sobretudo, da manifestação de diferentes grupos étnicos e religiosos como uma das demonstrações mais claras de democracia de fala e pluralidade de pensamento; Ergin vive atualmente, após seu exílio no Brasil, trabalha no porta Voz da Turquia.

Formado em linguística pela Universidade de Marmara, e membro ativo do movimento Hizmet – principal movimento de social do país que tenta, por meio de serviços voluntários, principalmente na área da educação, moldar uma sociedade turca mais democrática e menos intolerante -, Kamil nem sempre foi jornalista. Antes da tentativa de golpe Turquia, da intervenção do estatal no jornal Zaman e de ter seu nome posto na “lista de personas não gratas”, o jovem jornalista era um simples professor em terra tupiniquins; um forasteiro incomum que assumiu o papel de curioso que queria entender como, numa terra de praias e coqueiros, de misturas étnicas e religiosas e sob forte influência da cultura norte-americana, poderia-se cultivar pretextos trabalhistas, uma democracia para todos, parte do grande socialismo “latino­­-americano”.

Viu-se de frente a uma cultura totalmente nova, com hábitos e costumes diferentes e uma língua completamente diferente; uma terra nova (MUITO longe de ser socialista), um povo novo, e com seu sangue “quente e cheio de vontade” pronto para descobri-la. Encontrou um mundo novo na sala de aula: do ensino de inglês em instituições de ensino (sem falar uma única palavra em português) foi, aos poucos, tomando familiaridade com o idioma, com o trato das palavras, com vocativos, apostos, e sujeitos; de todos os tipos. Mas por mais que sua vida estivesse imensa numa cultura e repleta de pessoas que queriam seu bem, ela mais lhe parecia vazia: as repetitivas jornadas de trabalho, a divisão padrão do tempo de aula e dos conteúdos disponíveis para cada turma, o breve chiado do giz cruzando o quadro negro vazio davam a leve sensação a Kamil de que, por mais que fosse apaixonado por dar aulas e proporcionar conhecimento, seu lugar não era na sala de aula, mas, sim, além das carteiras e dos livros didáticos; enxergando o mundo por outros olhos e emprestando sua voz àqueles que não a têm.

E assim, voltou a Turquia. Tentando entender melhor o mundo e as relações de poder que governos, empresas multinacionais e como essas organizações influenciam na maneira que vivemos e co-vivemos hoje; Kamil se tornou jornalista. Escolheu o sinuoso caminho de informar pessoas seguindo pretextos humanos, democráticos, universais: foi correspondente de guerra em mais de 30 regiões no Oriente médio, visitou e publicou em jornais mundo afora – No Brasil, foram a Folha e o Estado – e encontrou no ofício jornalístico um lugar, um espaço onde pudesse ajudar pessoas emprestando suas palavras, seu nome, seu olhos.

Mas tudo mudou no fatídico 15 de julho. Daquele dia em diante sua vida nunca mais seria a mesma: após a tentativa de golpe em solo turco, o presidente Erdogan precisa encontrar “os culpados” pela articulação de forças políticas contra seu governo, assim o Movimento Hizmet, o qual sempre foi visto como um “inimigo público e pessoal” de Erdogan tornou-se um bode expiratório, um mártir que possibilitou a “restruturação” da Turquia. Com a introdução da política de “caça às bruxas”, todos os membros do movimento se tornaram alvos pessoais do presidente, inclusive Kamil, que desde a data infortúnia é proibido de voltar à sua terra de origem: de rever seus amigos e sua família.

Sua vida financeira também piorou: com o cerco de censura montado pelo governo, o principais jornais os quais mandava seus textos e suas impressões estão sob jurisdição do Estado, ou seja nenhuma de suas análises, colunas, matérias, reportagens, notas é publicada nesses veículos. Mas com um sorriso tímido no rosto não desamina: “Por mais que não exista mais mídia na Turquia, o importante é fazer um bom trabalho jornalístico: uma boa matéria, uma boa crítica. Onde isso vai ser publicado é algo de segundo plano: só o fato de alguém ler, entender o que acontece aqui no Brasil ou na ditadura de Erdogan já vale a pena”.

O jornalista turco-brasileiro, como ele mesmo diz: “sou 50% brasileiro. Por mais eu tenha um “coração” brasileiro, ainda tenho uma alma de minha terra, um sentimento quente que sempre me envolve”, Kamil vive hoje como assessor do Centro de Cultural Brasil-Turquia e como um dos responsáveis do Portal Voz da Turquia, e mesmo em face de tempos sombrios, o jornalista ressalta: “ É preciso ter fé no que escrevemos e pensamos, só assim conseguiremos mudar o mundo”.

Fonte: www.vozdaturquia.com

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