Turquia é agora um estado de inteligência rebelde sob Erdogan
As mudanças avassaladoras à lei de inteligência com o mais recente decreto do governo que contornou o Parlamento e evitou o debate público fez com que se concluísse que a Turquia sob o regime da liderança autoritária de Recep Tayyip Erdogan se transformou oficialmente para um estado policial e de inteligência desonesto e rebelde, um que é um ator hostil, insular, irredentista e irracional na política mundial.
A restruturação da notória agência de inteligência, a Organização de Inteligência Nacional (MIT), e sua integração formal com o gabinete do Presidente Erdogan sob imunidades gerais e novos poderes confirmaram a visão de que o desafio mais importante para a democracia turca será lidar com os esquemas de negócio clandestinos que os islamistas turcos têm tramado através de serviços de inteligência secretos. De manter o judiciário sob rédeas curtas a alcançar um controle rígido sobre a sociedade civil, de usar uma máquina de propaganda a amordaçar a mídia crítica, Erdogan tem usado a MIT, liderada pelo seu homem de confiança Hakan Fidan, para cumprir suas ambições na Turquia e além. Ele manipula a mídia turca através de propagandistas que estão na folha de pagamento da MIT e chantageia e ameaça seus oponentes com tramas preparadas pela MIT.
A Lei-Decreto Nº 694, que foi aprovada pelo Gabinete em 15 de agosto de 2017 e publicada na Gazeta Oficial 10 dias mais tarde, toma como base as já apressadas emendas anteriores à lei de inteligência que foram feitas quando Erdogan foi pego com a boca na botija enviando ilegalmente armamentos pesados e munição a jihadistas na Síria em janeiro de 2014. Ambas as mudanças lá em 2014 e as novas que foram promulgadas em agosto claramente desafiam parâmetros definidos pela Comissão de Veneza do Conselho da Europa que desenhou as regras em um excelente texto analítico intitulado “Relatório sobre a Supervisão Democrática dos Serviços de Segurança” em junho de 2007, atualizado em abril de 2015. O tema predominante do relatório da comissão é de que o controle da comunidade da inteligência pelos tribunais, setor legislativo e órgãos independentes e peritos é essencial para o funcionamento de uma democracia baseada no estado de direito.
A baixo está uma avaliação de algumas das mudanças mais sérias feitas pelas leis turcas sobre como a inteligência turca deve operar, seu mandato e que regras e procedimentos devem se aplicar quanto se trata de responsabilidade, se é que há alguma. Isso demonstra o quanto a democracia turca foi transformada em um estado autocrático dirigido pela inteligência com raízes no fanatismo islâmico e na euforia xenofóbica.
A emenda da Lei Nº 1325 de 1970, que regula o mandato do Ministério da Defesa, declarou que a MIT seria responsável pela coleta de inteligência sobre toda a equipe da defesa tanto quanto de oficiais nas forças armadas. A emenda marginaliza a inteligência militar e prepara o caminho para que a MIT espione os militares turcos tanto na base quanto fora dela. Isso é um grande afastamento e mudança dramática. E ainda mais, as regulações que permitem que a MIT colete informações sobre os militares e seus funcionários serão redigidas pela própria MIT e serão aprovadas por Erdogan pessoalmente. Em outras palavras, a agência de espionagem da Turquia está também empoderada com um nova mandato para instituir acusações legislativas secundárias por conta própria sem sequer se importar com o envolvimento do segundo maior exército da OTAN, que será impactado diretamente pelo processo.
Dado o fato de que se acredita que o chefe da MIT, Fidan, seja um agente infiltrado da Guarda Revolucionária Iraniana (GRI) abafou a investigação da inteligência da polícia sobre as atividades da Força Quds da GRI na Turquia expostas em 2014, uma agência que está sob a influência do Irã estaria acessando os recursos compartilhados de inteligência da OTAN sem qualquer fiscalização ou impedimento. A investigação de 2014 sobre a rede de espionagem do Irã e de suas atividades clandestinas na Turquia revelou como Fidan estava passando informações aos generais da Força Quds, usando um avião particular da MIT para transportar generais iranianos entre Tehran e Ancara. Um documento confidencial vazado da Agência de Segurança Nacional americana (NSA) datado de 13 de abril de 2013 revelou que os EUA estiveram preocupados com as conexões iranianas de Fidan se baseando em uma enxurrada de divulgação de inteligência americana nos anos recentes indicando essa conexão.
A segunda mudança, à Lei Nº 2937 – que regula as atividades da agência de espionagem MIT – pôs a agência diretamente sob o controle do Presidente Erdogan em vez de sob o do primeiro-ministro. Apesar de que era Erdogan que já estava ditando as regras no comando da agência de espionagem, apesar de ilegalmente por causa do perfil discreto do Primeiro-Ministro Binali Yildirim, o presidente turco oficializou isso com sua mudança e não deixou isso para a sorte caso um subserviente possa substituir Yildirim mais para frente. A lei em sua nova forma claramente elimina qualquer responsabilidade da agência de espionagem a qualquer pessoa ou instituição além do próprio presidente, atingindo os papéis essenciais de supervisão parlamentar e judicial sobre a MIT.
Outra mudança foi realizada através de uma emenda à Lei Nº 2918 sobre Tráfico em Estradas, colocando a MIT no controle completo do registro e inspeção de veículos motorizados para sua própria frota, capaz de esconder seus veículos como desejar e realizar inspeções de emissão sem a avaliação de qualquer outra agência que lide com o tráfico e o registro de veículos. Isso efetivamente permitiria à agência de espionagem falsificar os registros sem ninguém saber e reivindicar para si um veículo quando de fato ele está registrado a outros e empreiteiros. Assim como no caso de envios de armamento ilegais que foram escoltados em caminhões alugados em janeiro de 2014, a MIT pode fornecer imunidade completa para qualquer veículo quanto a qualquer busca, apreensão ou investigação ao alegar que pertença à agência.
Erdogan também estabeleceu um novo conselho chamado de Milli Istihbarat Koordinasyon Kurulu (MIKK, ou Conselho de Coordenação da Inteligência Nacional) para consolidar toda a inteligência em seu suntuoso palácio onde ele dirige as operações diretamente. O conselho moldaria as políticas fundamentais no direcionamento de atividades de inteligência entre várias agências, e será a MIT que cuidará do trabalho de secretariado desse novo conselho. Isso significa que Erdogan enquadrará os temas subjacentes de coleta e direcionamento de inteligência a partir de seu escritório e imporá os termos do que considera uma ameaça a seu governo como um mandato de camisa de força a todas as agências de inteligência na Turquia. A lei-decreto não diz quem os membros do conselho serão, mas observa que a lei de implementação sobre como o conselho operará será determinado pelo governo de Erdogan sem o envolvimento do Parlamento.
Até onde se diz respeito à liberdade de imprensa, o golpe mais letal aplicado à mídia livre, independente e crítica na Turquia, ou ao que sobrou dela, de qualquer forma, é a nova redação que foi adicionada ao Artigo 27 da lei de inteligência. De acordo com a versão reformulada da lei, os que revelam as identidades, posições ou deveres de membros da MIT da maneira que for enfrentará uma sentença de até sete anos na cadeia. Isso é um tiro de aviso a jornalistas investigativos que possam expor os esquemas sujos da MIT e revelar as pessoas envolvidas nesses complôs.
A provisão é válida não apenas para funcionários de inteligência na folha de pagamento da MIT, mas de fato para qualquer um que receba uma tarefa do presidente para realizar uma operação secreta está blindado por essa proteção que traz sentenças na cadeia para ofensores. Por exemplo, quando Erdogan enviou agentes à Alemanha para espionar críticos e tramar esquemas em solo estrangeiro, os repórteres turcos não teriam sido capazes de escrever sobre esse assunto, mesmo se fosse exposto e coberto amplamente na mídia alemã, como aconteceu no caso do ajudante pessoal de Erdogan, Muhammed Taha Gergerlioglu, e outros agentes que foram detidos em 2015 sob acusações de espionagem na Alemanha. Os que expõem os funcionários da MIT que estão auxiliando e incentivando jihadistas, incluindo o Estado Islâmico no Iraque e no Levante (ISIL), arriscarão uma sentença na cadeia de acordo com essa nova lei.
Está claro que o homem forte da Turquia quer governar a Turquia através de uma organização de inteligência que ele transformou em sua agência de detetives particulares ao fabricar complôs e organizar esquemas sujos para sustentar seu governo, mesmo se isso custar as vidas de pessoas inocentes e operações de bandeira falsa. Comentando sobre essas novas mudanças contidas na lei-decreto, Erdogan disse em 28 de agosto de 2017 que “a nossa agência de inteligência deve também continuar a se tornar mais forte. De fato, quando penso na agência de inteligência de 15 anos atrás e olho apara a atual, vejo que fizemos grande progresso.” Ele alegou que a MIT agora desenvolveu recursos importantes no Ocidente e em países muçulmanos. “A MIT também está dando passos adiante na inteligência humanitária e técnica, e temos uma agência de inteligência que está dando passos na direção de se tornar um poder determinante na região,” disse ele. Erdogan estava de gabando de recursos no novo portfólio da MIT, indicando seus investimentos em grupos de procuração em outros países.
O impulsionamento da MIT a jihadistas que conseguiram chegar até a Síria por anos desde 2011 está agora funcionando no outro sentido, ameaçando países de onde militantes estrangeiros chegaram até a Síria. Terroristas do ISIL de Paris a Bruxelas, de São Petersburgo a Estocolmo, tinham misteriosamente conseguido vir até a Turquia e passar algum tempo sob a observação da inteligência turca, que auxiliou e incentivou o movimento deles através da Turquia. O fichamento e atividades de espionagem massivos da MIT e seus grupos de procuração contra críticos de Erdogan ainda estão ocorrendo em muitos países europeus, enquanto que esforços estão a caminho para continuarem a mobilizar os turcos da diáspora e grupos muçulmanos em nome dos objetivos políticos de Erdogan com a ajuda da MIT. Da mesma forma como serviços de inteligência estatal da era comunista, a agência de inteligência turca MIT sob Erdogan e seus capangas deve ser considerada uma agência de espionagem hostil que apresenta um risco de segurança nacional para outros países. Ela tem que ser contida, neutralizada e frustrada por ações políticas e igualmente por processos judiciais.
Abdullah Bozkurt
Fonte: www.turkishminute.com