Injustiça a Fethullah Gülen
Kemal Kılıçdaroğlu, líder do principal partido de oposição, Partido Republicano do Povo (CHP), corretamente descreveu a situação como “golpe contra democracia” quando o Editor Chefe do Jornal Zaman, Ekrem Dumanlı, e o Executivo da Rede STV, Hidayet Karaca, assim como vários roteiristas e produtores de televisão foram detidos em 14 de dezembro sob as inacreditáveis acusações de fundarem ou participarem de uma “organização terrorista armada com objetivo de se apoderar da soberania do Estado”.
A detenção em massa, obviamente, foi comandada pelo governo do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP) para desviar a atenção pública da maior investigação de corrupção na história do país – envolvendo quatro ministros, entre outros – revelada há um ano e que têm, desde então, sido reprimida pelo governo.
O Presidente Recep Tayyip Erdoğan afirma, sem qualquer tipo de prova, que a investigação nada mais era do que uma “tentativa de golpe” contra o governo dele por aquilo que ele chama de “Estado paralelo”, ou seja, o movimento social Hizmet, um movimento com bases religiosas inspirado pelo erudito islâmico Fethullah Gülen, que vive nos Estados Unidos em exílio auto-imposto desde 1999. Em 19 de dezembro o juiz de uma corte especial, criada recentemente dentro do contexto das medidas para reprimir a investigação de corrupção, decidiu prender Karaca e liberar Dumanlı para aguardar julgamento em liberdade, mas impedindo-o de viajar ao exterior. A corte também emitiu um mandato de prisão contra Gülen, em seguida, foi anunciado que o Ministério da Justiça pedirá, formalmente, a extradição de Gülen dos EUA com base nesse mandato.
É óbvio que o caso contra Dumanlı e Karaca nada mais é do que a escalada dos esforços de Erdoğan e seu governo para silenciar a oposição crescente contra o governo cada vez mais arbitrário e autoritário dele. Não há muito mais o que dizer sobre isso. Porém, o mandato de prisão contra Gülen requer certa atenção.
Isso mostra, primeiro, que Gülen estava certo ao escolher continuar nos Estados Unidos, apesar de ter sido inocentado em todas os processos legais contra ele de conspiração para subverter o regime laico na Turquia. Isso indica que era sadia a desconfiança que Gülen sentia contra o rígido regime laico turco, em geral, e contra o governo de Erdoğan, em especial, enquanto seus inimigos o consideravam aliado próximo de Erdoğan na tentativa deste de islamizar o regime na Turquia. Gülen e o Movimento Hizmet inspirado por ele, assim como indivíduos liberais – incluindo eu mesmo e outros grupos – apoiaram o governo do AKP em seus dois primeiros mandatos, quando Erdoğan parecia estar liderando o país na consolidação de uma democracia liberal e pluralista. Em seu terceiro mandato, Erdoğan abandonou completamente esse caminho e tomou a direção contrária.
Gülen é, sem dúvida, o erudito religioso que promoveu a interpretação mais tolerante, pacífica e pró-democracia do Islã em todo o mundo muçulmano. É irônico que Erdoğan esteja acusando Gülen de ser o “líder de uma gangue terrorista, um falso profeta” e continue a lançar discursos de ódio contra ele, quando se acredita amplamente que o governo de Erdoğan, mesmo que indiretamente, tenha apoiado grupos islamistas radicais que recorrem ao terrorismo na luta contra a ditadura do Presidente Bashar al-Assad, na Síria. Essa é uma opinião compartilhada por pessoas como Francis Ricciardone, ex-embaixador dos EUA na Turquia, e Joseph Biden, vice-presidente dos Estados Unidos.
Também há ironia no fato de que, enquanto chama Gülen de “terrorista” e o acusa de comandar um “Estado paralelo” na Turquia, Erdoğan está envolvido no processo de paz com o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) – considerado uma “organização terrorista” tanto pela União Europeia quanto pelos EUA –, conhecido por ter estabelecido um verdadeiro “Estado paralelo”, uma administração de facto, nas regiões de maioria curda da Turquia, com tribunais, coleta de impostos, recrutamento de soldados e manutenção da ordem.
A injustiça e iniquidade às quais Gülen e o Movimento Hizmet sem sido expostos, de um lado, pelos secularistas pró-Kemalistas e pró-Marxistas radicais e, de outro, pelos islamistas não têm limites. Estou convencido de que a importância de Gülen reside no fato de o movimento inspirado por ele estar promovendo um serviço extremamente importante para a democratização da Turquia ao convencer números cada vez maiores de muçulmanos devotos sobre a importância vital de uma sociedade civilizada, de um regime baseado no estado de direito que assegura os direitos do indivíduo assim como os direitos das minorias.
Şahin Alpay
Publicado em Sunday’s Zaman, 21 de dezembro de 2014.