Relatório holandês expõe como juízes e promotores sob controle de Erdogan visam opositores

Um recente relatório divulgado pelo Ministério das Relações Exteriores dos Países Baixos sugere que as violações dos direitos humanos na Turquia persistiram, com uma repressão crescente de grupos de oposição, minorias étnicas e ativistas. Abrangendo o período de setembro de 2023 a fevereiro de 2025, o documento ressalta uma contínua erosão das liberdades democráticas e da independência judicial no país.
O judiciário turco, supostamente sob significativa influência política, tem desempenhado um papel crucial na perseguição de opositores políticos, jornalistas e defensores dos direitos humanos. O Tribunal Constitucional permanece sujeito a pressões, com muitos juízes nomeados diretamente pelo presidente Recep Tayyip Erdogan. O relatório afirma que os processos contra figuras da oposição aumentaram e que o governo continuou a destituir funcionários eleitos, especialmente aqueles vinculados a partidos pró-curdos.
A influência de Erdogan sobre o judiciário, mencionada no relatório, aumentou rapidamente após 2016. Após uma tentativa de golpe controversa em julho de 2016, Erdogan apertou seu controle sobre o poder, consolidando seu domínio sobre os ramos judiciário, legislativo e executivo. Apenas horas depois do início do golpe, seu governo iniciou uma ampla purga, removendo 4.156 juízes e promotores de seus cargos — o que indica que esses indivíduos provavelmente já haviam sido incluídos em listas negras previamente. Suas posições foram rapidamente preenchidas por leais ao governo, muitos dos quais selecionados dentre as fileiras do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP).
Uma das descobertas mais marcantes do relatório diz respeito à repressão contínua contra indivíduos suspeitos de terem vínculos com o movimento Hizmet, um grupo de base religiosa crítico do governo. A agência de inteligência turca (Milli İstihbarat Teşkilatı, ou MİT) desempenhou um papel fundamental no rastreamento e na detenção de supostos participantes do Hizmet tanto na Turquia quanto no exterior. O documento destaca inúmeros casos em que os suspeitos foram detidos sem o devido processo legal, sujeitos a desaparecimentos forçados ou extraditados de países estrangeiros por meio de operações secretas.
O alcance da perseguição se ampliou dramaticamente nos últimos anos. Antes limitada a funcionários públicos e oficiais militares, a repressão agora se estende a empresários, jornalistas, estudantes e até cidadãos comuns acusados de demonstrarem simpatia pelo movimento. Críticos argumentam que muitos dos alvos foram condenados com base em evidências frágeis e circunstanciais — como possuir conta em um banco afiliado ao Hizmet, frequentar uma escola vinculada ao movimento ou simplesmente ter baixado um aplicativo de mensagens chamado ByLock, associado aos participantes do Hizmet. Algumas pessoas teriam sido presas por anos sem julgamentos justos, frequentemente enfrentando táticas de interrogatório severas.
De acordo com o relatório, o MİT tem se mostrado especialmente ativo na extradição de participantes do Hizmet de países estrangeiros, especialmente na África e nos Bálcãs. A agência teria realizado operações secretas de rendição, o que gerou críticas internacionais. O governo turco defende essas operações como medidas necessárias de contraterrorismo, mas grupos de direitos humanos alertam que os extraditados frequentemente enfrentam prisões em condições precárias, com denúncias de maus-tratos e tortura surgindo em vários casos.
Os familiares dos suspeitos de serem participantes do Hizmet também têm sofrido. O relatório descreve casos em que cônjuges e filhos de acusados tiveram passaportes negados, foram impedidos de acessar oportunidades educacionais e sofreram assédio policial. Algumas famílias fugiram da Turquia, buscando asilo na Europa e na América do Norte, enquanto outras vivem com o temor de prisões repentinas. O clima de medo se estende além das fronteiras turcas, pois supostamente as embaixadas da Turquia pressionaram expatriados a fornecer informações sobre os suspeitos em troca de serviços consulares.
O relatório faz referência a uma decisão significativa do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) acerca do tratamento dispensado pelo governo turco aos supostos participantes do Hizmet. O tribunal constatou que a Turquia violou diversos artigos da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, especialmente no que diz respeito ao direito a um julgamento justo e à proteção contra detenções arbitrárias. A decisão detalha casos em que pessoas foram presas com base em evidências insuficientes, como o suposto uso do aplicativo de mensagens ByLock ou vínculos financeiros tênues com instituições afiliadas ao Hizmet. Apesar da decisão do TEDH, o relatório afirma que as autoridades turcas têm ignorado amplamente o veredicto, recusando-se a implementar medidas legais ou a libertar os detidos, agravando as preocupações quanto à independência judicial e ao devido processo no país.
Relatos de tortura e maus-tratos em instalações de detenção persistem. Presos políticos e detentos vinculados a grupos de oposição relatam abusos, falta de cuidados médicos e prisões superlotadas. Organizações de direitos humanos enfrentam dificuldades para documentar os casos devido às restrições impostas pelo governo às visitas de monitoramento.
O Partido da Igualdade e Democracia do Povo (Partido DEM) tem enfrentado crescente pressão das autoridades. O relatório detalha como prefeitos eleitos democraticamente pelo DEM foram destituídos de seus cargos e substituídos por interventores nomeados pelo governo. As forças de segurança também reprimiram a expressão cultural curda, incluindo o uso da língua e a produção de mídia. Além disso, continuam a surgir relatos de prisões arbitrárias e detenções de ativistas e políticos curdos.
As comunidades alevitas enfrentam discriminação sistêmica, enquanto armênios e judeus continuam a relatar discursos de ódio e hostilidade. Grupos protestantes também sofrem restrições, como a negação de vistos para clérigos estrangeiros. Essas comunidades lutam contra limitações às liberdades religiosas e à representação política.
A violência contra as mulheres permanece como uma grande preocupação, com um aumento significativo nos feminicídios relatados. Apesar das críticas internacionais, a Turquia se retirou da Convenção de Istambul, um tratado internacional destinado a prevenir a violência contra as mulheres. Ativistas dos direitos das mulheres enfrentam restrições governamentais crescentes e repressões policiais em protestos que defendem a igualdade de gênero.
Indivíduos LGBTQ+ continuam a enfrentar discriminação e violência. O governo turco intensificou sua retórica anti-LGBTQ+, proibindo desfiles do orgulho e censurando conteúdos pró-LGBTQ+ na mídia. Ativistas e organizações que defendem os direitos LGBTQ+ sofrem perseguição legal e restrições às suas atividades.
O governo turco segue restringindo a liberdade de expressão por meio da aplicação da Lei de Combate à Desinformação. Jornalistas críticos do governo são frequentemente processados, e veículos de mídia independentes enfrentam censura e multas. A fiscalização e as restrições às redes sociais aumentaram, limitando ainda mais o debate público.
O Nordic Monitor havia reportado anteriormente que a Turquia mais uma vez se encontra entre os países com mais violações de direitos humanos na Europa, conforme o relatório anual do TEDH para 2024. O país continua liderando a lista com o maior número de pedidos de direitos humanos pendentes perante o tribunal, com 21.613 casos ainda não resolvidos de um total de 60.350 — representando 35,8% de todos os pedidos pendentes. A Rússia segue com aproximadamente 8.150 casos, enquanto a Ucrânia conta com 7.700, a Romênia com 3.850 e a Grécia com 2.600. Esse número substancial de casos turcos evidencia a profundidade das preocupações com os direitos humanos no país e seu papel desproporcional no acúmulo de processos no tribunal. O relatório também enfatiza que a Turquia tem sido uma violadora persistente da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, com deficiências estruturais no sistema legal e judiciário que repetidamente resultam em decisões desfavoráveis.
Apesar das decisões judiciais contra o governo turco, as autoridades frequentemente se recusam a implementar os veredictos do TEDH. O relatório holandês alerta que o contínuo desrespeito da Turquia às obrigações de direitos humanos pode ainda mais tensionar suas relações com a União Europeia e outros organismos internacionais.
There are no comments at the moment, do you want to add one?
Write a comment