‘Liberdade de expressão é uma piada na Turquia’, diz escritora opositora
Na quinta-feira, 29 de dezembro, a célebre escritora Asli Erdogan foi libertada da prisão sob controle judiciário após 136 dias de cárcere.
Sua prisão provocou uma onda de indignação mundial. Seu julgamento será retomado nesta segunda-feira (2). A intelectual é acusada de pertencer a uma organização terrorista por ter colaborado com o jornal pró-curdo “Ozgür Gündem”.
Em entrevista exclusiva à jornalista Stéphanie Schüler, da RFI, a escritora relatou suas condições da prisão na Turquia e o cerceamento da liberdade de expressão no país dirigido por Recep Tayyip Erdogan —que não tem parentesco com Asli.
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RFI – Asli Erdogan, na quinta-feira, 29 de dezembro, você foi liberada sob controle judiciário depois de 136 dias de detenção. Como você se sente?
Asli Erdogan – Acho que uma grande parte de mim continua na prisão. (Depois da minha saída) eu encontrei várias pessoas e me dei conta que só falava da prisão. Minha memória ficou na prisão. É difícil de explicar. Durante quatro meses e meio eu não vi uma árvore sequer. E agora há milhares de árvores. É muito de uma vez só. Muitas árvores, muitas pessoas. Na prisão tudo é limitado. Então, é um choque imenso.
O mundo é tão vasto, tão barulhento. A readaptação é difícil, de verdade. Mas foi muito legal ter acariciado um gato, por exemplo. Coisa que você não pode fazer na prisão. Você não pode tocar em um animal. O céu fica muito reduzido. Ontem, eu contemplei o mar. É o mar de inverno. Ele é muito sombrio. Tento me adaptar devagar. Mas ainda tenho medo. Toda noite eu me pergunto: eles vão voltar? Talvez dentro de três dias eles ainda vão me prender. Na verdade, eu revivo o traumatismo inicial de ter sido presa. Não consegui dormir na noite passada. Eu esperava a polícia?
Como foram suas condições de detenção?
Nos cinco primeiros dias depois da minha prisão eles me colocaram em um isolamento. E isso foi realmente muito difícil. Nos três primeiros dias principalmente eles foram muito duros comigo. Eles não me deram nada de beber durante 48 horas. Mas esses tratamentos vazaram para a imprensa. Eu encontrei as autoridades carcerárias muito tarde. Elas se deram conta de que eu não era nem membro do PKK [Partido dos Trabalhadores do Curdistão], nem curda. Essas coisas fazem muita diferença. E, aos poucos, as autoridades carcerárias se mostraram mais protetoras em relação a mim.
Mas permanecer presa ainda era muito difícil para mim, apesar de que Bakirköy é a menos dura da Turquia. Somente mulheres estão presas lá. Um dia eu fiquei doente, era uma terça-feira. E eles me disseram que eu poderia ir à enfermaria apenas na sexta-feira. Eu tinha muita febre. Eu só vi o médico na sexta-feira. Mas só recebi os medicamentos na segunda-feira. Tudo é assim. Atualmente, as prisões são ainda mais duras do que normalmente. Nós tínhamos o direito de dar um telefonema de cinco minutos a cada duas semanas. Rumores diziam que pessoas de fora da prisão iriam atacar os prisioneiros.
O medo, então, é onipresente. Sem falar no fato de que as celas são superlotadas porque 50 mil pessoas foram detidas durante os cinco últimos meses. E eles não param de mudar de maneira arbitrária os detidos de prisão. Então, toda manhã você acorda com um frio na barriga: eu vou continuar na prisão ou eles vão me transferir para uma outra, pior do que esta onde estou? É difícil ficar presa.
Você foi acusada de “pertencer a uma organização terrorista” por ter colaborado com o jornal pró-curdo “Ozgür Gündem”. Seu processo será retomado nesta segunda-feira (2). Você está confiante ou está com medo?
Tenho medo, claro. Eles me deixaram sair da prisão, mas não me absolveram. As acusações podem me levar à pena de dois anos e meio de prisão ou à prisão perpétua. No entanto, é provável que eu seja absolvida da maioria das acusações. Mas tenho a impressão de que mesmo assim serei condenada à pena de prisão de dois anos e meio ou algo do gênero. E a situação pode mudar de um dia para o outro.
Talvez amanhã, eles darão um telefonema e eu terei uma pena mais severa? Então, claro, eu temo esse julgamento. Nada foi decidido ainda. Eu apenas saí da prisão. E ainda por cima há rumores que indicam futuros assassinatos de escritores, jornalistas e advogados. Listas [de nomes] circulam na internet. Então, nesse momento, ninguém pode se sentir seguro na Turquia.
Sinceramente, tenho medo. Por outro lado, eu acho que o apoio e a mobilização internacional contribuíram muito. Eu agradeço a todos, aos escritores e jornalistas europeus, particularmente os franceses. Sem vocês eu ainda estaria na prisão. De fato, eles não teriam me libertado.
A liberdade de expressão ainda está garantida na Turquia de hoje?
É uma piada. A liberdade de expressão na Turquia não passa de uma piada! Eles nos libertaram e no dia seguinte prenderam um jornalista muito famoso [Ahmet Sik], acusado de ajudar três organizações terroristas diferentes. Ele já tinha estado na prisão.
Atualmente, cerca de 150 jornalistas estão presos, talvez mais. Hoje, pessoas foram presas por terem postado uma mensagem no Twitter. Muito acadêmicos também foram ameaçados. Até nomes do cinema que são muito populares: um processo foi aberto contra diretores e outros artistas. A partir do momento em que alguém se expressa pelo Twitter, pode esperar que a polícia vem buscá-lo. As pessoas estão com muito medo. Até mesmo de falar ao telefone. Eu os entendo.
Nessas condições, qual é a margem de manobra de pessoas como você, defensores da liberdade de expressão?
Cada um deve decidir por si mesmo. Mas acredito que a única coisa que pode ajudar a mudar a situação é a solidariedade. Quero lançar um apelo. Onde quer que você esteja, seja qual for sua convicção: para defender a liberdade de expressão nós devemos nos unir.. Nós devemos fazer campanhas para os que estão detidos pelos motivos mais diversos. É a única saída: estarmos juntos.
Fonte: folha.uol.com.br