O jogador que criticou Erdogan e perdeu a vaga
Enes Kanter, que atua na NBA pelo Oklahoma City Thunder, diz no Rio que Turquia não o convoca por sua posições políticas
Em um país que prendeu 61 jornalistas desde 2012, ser um atleta crítico ao governo pode não ser uma coisa boa. Os 2,11 metros ou mesmo o fato de ser o turco com mais espaço na NBA não impediram que o pivô Enes Kanter fosse descartado da seleção de seu país, que segue na luta por uma vaga nos Jogos Olímpicos do Rio. Crítico ao presidente Recep Tayyip Erdogan, o grandalhão lamentou sua ausência em passagem pelo Brasil na semana passada, quando visitou uma escola pública em Duque de Caxias.
— É claro que não é justo. É política. Eu jogo no O´klahoma City Thunder da NBA, mas não sou escolhido para o time nacional. É uma maluquice — afirmou ao GLOBO, quando falou sobre suas opiniões, que incomodam o governo. — Eu só consigo ser sincero e honesto com o meu país. Se vejo algo errado, falo.
Seguidor de clérigo perseguido
O jogador veio ao Rio em uma turnê por escolas que mantém relações com entidades turcas. Foi também a São Paulo, à Argentina, ao Chile e ao México. Pela primeira vez desde que foi jogar nos Estados Unidos, não foi para seus país durante as férias. Ele critica as prisões de jornalistas na Turquia e as compara com sua exclusão da seleção:
— A presidência hoje é um pouco maluca na Turquia. Se você for honesto, disser a verdade, mas não gostarem, vão tentar te tirar da seleção ou tentar te colocar na prisão. É definitivamente algo triste.
Com mais de 363 mil seguidores no Twitter, 158 mil no Facebook e 43 mil no Instagram, o jovem milionário de 24 anos — ele tem um contrato de US$ 18 milhões anuais — é uma referência para a juventude turca. Ele é um público seguidor de Fethullah Gülen, sacerdote turco que prega uma versão moderada do islã e se tornou dos principais inimigos de Erdogan ao liderar o que é chamado de Movimento Gülen. Acusado de liderar uma organização terrorista em seu país, o clérigo vive em um auto-exílio nos Estados Unidos.
Embora afirme estar fora da seleção por motivos políticos, oficialmente a resposta é outra. O treinador Ergin Ataman diz não convocar Kanter por não ter se desculpado com os companheiros de time por erros do passado, embora não especifique quais foram eles. Em 2010, no Mundial na Turquia, o pivô pediu dispensa devido ao início de suas aulas em uma universidade americana. Ele voltou a jogar no campeonato europeu no ano seguinte, mas foi esquecido desde então. Neste intervalo, em 2011, foi o terceiro jogador escolhido no draft — processo de seleção de atletas — da NBA.
A passagem de Kanter pelo Rio aconteceu três dias após o atendado no aeroporto de Istambul que deixou 45 mortos na semana passada. O Estado Islâmico foi acusado pelo governo turco por ser responsável pela ação.
— O que aconteceu foi muito triste. Um muçulmano não pode ser terrorista e um terrorista não pode ser muçulmano. Um dos problemas do nosso séculos são as pessoas com pouca educação. Pessoas com educação não iriam bombardear aeroportos — critica. — Meus técnicos e colegas mandaram mensagens, me pergutaram se minha família estava bem, se meus amigos estava bem.
Últimas três vagas em jogo
Sem Kanter, a Turquia enfrenta hoje a França, nas Filipinas, pela semifinal de um dos três grupos pré-olímpicos. O vencedor enfrenta o vencedor de Canadá x Nova Zelândia. A vaga será definida na final, amanhã. As outras duas vagas restantes serão definidas hoje. Na Itália, uma está em jogo entre os donos da casa e Croácia. Em casa, a Sérvia decide contra Porto Rico.
Fonte: O Globo