O declínio das escolas turcas
A ênfase do presidente Erdogan na lealdade ao governo e na fé islâmica substituiu o pensamento criativo dos currículos escolares das escolas turcas por um aprendizado rotineiro, com baixo desempenho dos alunos
Alguns dias antes do início do novo ano escolar, Merve, uma professora de ciências do ensino fundamental, folheou as páginas de um antigo livro de biologia. Nisso, viu uma foto de uma girafa ao lado de um texto sobre a evolução das espécies de Charles Darwin. O ensino sobre a teoria darwiniana da evolução em um país de maioria muçulmana, onde seis entre cada dez pessoas são adeptas do criacionismo, segundo um estudo realizado em 2010, nunca foi fácil. Agora, é impossível. Um novo currículo escolar eliminou todas as referências a Darwin e à teoria da evolução. Nas palavras de Merve não há mais nada a fazer. Esses assuntos, disse o diretor do conselho de educação da Turquia no início de julho, estavam “além da compreensão” dos jovens estudantes.
O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, deixou claro em mais de uma ocasião que gostaria de criar uma “nova geração de muçulmanos fervorosos”. O número de alunos das imam hatip, escolas que formam pregadores muçulmanos, aumentou de 60 mil em 2002 para mais de 1,1 milhão, ou cerca de um décimo de todos os estudantes de escolas públicas do país.
A partir deste ano, crianças com mais de seis anos têm aulas sobre o fracassado golpe de Estado em julho de 2016, mas sem menção à retaliação do governo com expurgos e prisões em massa dos dissidentes. Por sua vez, os alunos das imam hatip estudam o conceito do jihad, a luta contra os infiéis e inimigos do Islã. No módulo sobre a vida do profeta Maomé, os alunos aprendem que os muçulmanos devem evitar se casar com ateus e que as esposas precisam obedecer aos maridos. Uma regra recente do governo exige que as novas escolas tenham salas de oração segregadas por sexo. “A interferência da religião na educação nunca foi tão visível e tão profunda”, disse Batuhan Aydagul do instituto de pesquisa Education Reform Initiative, com sede em Istambul.
Durante os primeiros dez anos no poder, o Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP) de Erdogan melhorou o sistema educacional no país. Um número maior de crianças e jovens turcos, sobretudo, de mulheres, começou a frequentar escolas. No entanto, a partir de 2012 o desempenho escolar, avaliado a cada três anos pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), foi alvo de duras críticas.
Mas, apesar do ensino inferior segundo os padrões internacionais, as escolas turcas na opinião de Erdogan formam patriotas e muçulmanos piedosos. Os jovens enviados para estudar no Ocidente, disse Erdogan em 25 de setembro, “são doutrinados para voltar à Turquia como espiões”. Não houve menção, no entanto, ao fato de que seus quatro filhos estudaram no exterior.