A polêmica reforma educacional na Turquia, que deixou de ensinar evolução e agora fala de jihad
As escolas na Turquia começaram o novo ano letivo com um currículo controverso: deixa de fora a teoria da evolução e traz o conceito de jihad.
Para o governo – que tem bases islâmicas – a ideia é adotar uma nova “educação de valores”. Já os críticos acusam os novos livros didáticos de serem sexistas e anticientíficos, e reclamam do que veem como um golpe contra a educação laica.
“Ao incorporar uma educação de valores jihadistas, eles tentam encher as cabeças das nossas crianças pequenas com o mesmo tipo de pensamento que transforma o Oriente Médio em um banho de sangue”, diz Bulent Tezcan, do partido de oposição CHP, que defende o Estado laico.
O governo, no entanto, acusou a oposição de criar propaganda negativa e de polarizar o país por estar de olho nas eleições de 2019.
“Quando dizemos valores, eles entendem outra coisa. Temos orgulho de nossos valores conservadores e democratas, mas não queremos que todos sejam iguais a nós”, diz o ministro da Educação, Ismet Yilmaz.
Recuperando o conceito
Livros didáticos explicando a ideia de jihad estão sendo distribuídos nos colégios vocacionais religiosos do país, conhecidos como escolas Imam-Hatip. Eles serão oferecidos a alunos do ensino médio como disciplina optativa em um ano.
Um livro chamado “Vida de Maomé, O Profeta” está atraindo críticas específicas tanto por suposto machismo quanto por explicar a jihad – definida como “guerra religiosa” pelo dicionário do Instituto de Língua Turca.
Mas os funcionários do ministério da Educação dizem que o conceito foi explorado indevidamente por grupos jihadistas como o autodenominado Estado Islâmico (EI).
O ministro da Educação diz que o conceito deveria ser introduzido como parte do Islã dentro do contexto de “amar uma nação”.
“A jihad é um elemento da nossa religião. Nosso dever é ensinar todos os conceitos e corrigir as coisas que são compreendidas da maneira errada”, diz ele.
O mesmo livro controverso define a “obediência” da mulher ao homem como uma forma de “adoração”. Mas, segundo o governo, isso é compreensível, já que a obra é sobre o Islã e cita versos do Alcorão.
“Alá diz isso, não eu. Eu deveria corrigi-lo, é isso?” diz Alpaslan Durmus, presidente do Conselho de Educação.
Reações
Dois grandes protestos ocorreram no fim de semana, com hashtags como #NoToSexistCurriculum (“não ao currículo machista”), #SayNoToNonScientificCurriculum (“diga não ao currículo não científico”) e #DefendSecularEducation (“defenda a educação laica”) dominando as redes sociais na Turquia.
Um líder sindical convocou os militantes a “dizer não para um currículo ultrapassado, que bane a ciência em pleno século 21”.
Opositores têm acusado o partido do presidente Recep Erdogan, o Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), de substituir fundações laicas da república turca por valores islâmicos e conservadores.
Declarações do próprio presidente sobre criar uma “geração devota” também causaram alarme.
O ministro da Educação, porém, diz que os críticos são “extremamente ignorantes” ao dizer que a evolução foi completamente excluída do currículo.
Assuntos como mutação, modificação e adaptação são explicados em livros de biologia, mas sem citar especificamente a evolução. A teoria estaria “acima do nível dos alunos (de ensino médio)” e deveria ser ensinada na universidade, diz o ministro.
Aysel Madra, da Iniciativa pela Reforma Educacional, afirma que isso só irá confundir os estudantes. Para o grupo, é estranho afirmar que as crianças e os jovens conseguem entender a jihad, mas não a evolução.
Associações de professores estão divididas sobre o debate.
O sindicato Egitim Sen vê a iniciativa do governo como “ideológica e deliberada”. Um grupo rival, mais conservador, acusa os críticos de usarem argumentos anti-islâmicos.
“De acordo com o Instituto Turco de Linguagem, o significado principal de jihad é ‘guerra religiosa'”, diz Feray Aydogan, o líder do Egitim Sen. “Qual é o objetivo de explicar somente o segundo e o terceiro significados?”
Originalmente publicado em: https://g1.globo.com/