Jornalistas: Liberdade de imprensa em risco na Turquia
Os jornalistas turcos receiam que a liberdade de imprensa esteja sob ameaça na Turquia, na sequência das operações dirigidas recentemente pelo poder político contra profissionais e executivos de grupos editoriais.
Para Sevgi Akarçesme, uma colunista do Zaman, o diário de maior circulação na Turquia, o jornalismo é “uma das profissões mais perigosas” na Turquia atual, denunciando que a liberdade de imprensa está por um triz.
“Ser jornalista hoje na Turquia é uma das profissões mais perigosas. Recusamos que nos silenciem. A imprensa livre é importante para a democracia. Não sou otimista a curto prazo”, afirmou.
Faz hoje duas semanas, também domingo, pelas 07:00 a polícia turca bateu à porta do grupo de imprensa Zaman, na periferia de Istambul, com um mandado de prisão do editor-chefe Ekrem Dumanli.
Naquele dia, foram detidas 26 pessoas em todo o país, entre jornalistas, executivos e ex-chefes de polícia, considerados pelo Presidente da República, Recep Tayyip Erdogan, como integrantes de uma conspiração terrorista para o derrubar do poder.
Além do Zaman, o canal Samanyolu também foi um alvo da operação, com a detenção do presidente do grupo, Hidayet Karaca, de produtores e de argumentistas de séries televisivas.
A operação teve como alvo simpatizantes do clérigo muçulmano Fethullah Gulen, 73 anos, autoexilado desde 1999 na Pensilvânia, nos Estados Unidos.
Fundador do movimento humanista Hizmet e ex-aliado de Erdogan, Gulen defende o diálogo interreligioso, a liberdade de imprensa e de expressão e valores universais, mas é acusado pelo regime de administrar um Estado paralelo e de conspiração política.
Na opinião de Akarçesme, a grande maioria da população desconhece o que se está a passar na Turquia relativamente ao controlo da imprensa.
“Se forem bem-sucedidos na supressão de alguma imprensa, não sobrará muita coisa. Como jornalista e como cidadã turca, estou preocupada. Não é apenas o argumento contra o movimento Hizmet, Gulen virou alvo, mas tem a ver com liberdade de expressão e democracia”, criticou.
A prisão ocorreu exatamente um ano depois de um escândalo de corrupção na cúpula do governo, envolvendo o próprio Erdogan, se ter tornado público.
O editor-chefe do Zaman foi libertado no último dia 19, após quase uma semana de interrogatórios e vai aguardar o julgamento em liberdade, mas o presidente do canal Samanyolu continua detido.
A semana que antecedeu o Natal em Istambul foi marcada por muitos protestos defronte do Tribunal de Justiça, onde se encontram os detidos.
Para Mahmed Ünal, 36 anos, filho de um importante colunista do Zaman e uma das centenas de pessoas concentradas defronte do edifício do Tribunal, a imprensa vive “os dias mais difíceis” desde que a república foi declarada, em 1923.
A transição para uma democracia multipartidária na Turquia foi marcada regularmente marcada por incidentes. Só na segunda metade do século XX, o país viveu quatro golpes militares (1960, 1971, 1980 e 1997).
Como um dos fundadores em 2001 do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), formação de inspiração islamita-conservadora, Tayyip Erdogan, tornou-se primeiro-ministro em 2003, cargo que manteve ao longo de três mandatos consecutivos. No passado dia 10 de agosto, foi eleito Presidente, com 52% dos votos.
A imprensa acusa-o de se ter tornado cada vez mais autoritário, pois conseguira interromper as investigações dos escândalos de corrupção no seu governo demitindo polícias e juízes, além de aumentar o controlo sobre o poder judicial e a Internet.
Segundo o analista político Shahin Alpay, foi a partir do terceiro mandato que Erdogan se tornou autoritário, levado pelo receio da Primavera Árabe.
“Virámos uma cleptocracia, o poder dos ladrões. Se as coisas seguirem como estão, é possível que os militares tomem o poder de novo”, prevê.
Na sua opinião, é um “grande exagero” rotular o movimento Gulen de poder paralelo.
“É um movimento liberal progressivo, pró-democracia e secularista. A Turquia terá que superar tudo isso. Erdogan quer instituir uma democracia soberana à ‘la Putin'”, criticou.
No seu último discurso, no dia de Natal, em Ancara, o Presidente turco anunciou que mais jornalistas deverão ser presos nos próximos dias e reiterou que eles integram uma organização ilegal.
Fonte: Publicado no site de Notícias ao Minuto em 28 de dezembro de 2014