Relação EUA-Turquia dificilmente será revitalizada com eleição americana
O resultado da apertada eleição dos EUA na terça-feira provavelmente terá pouco impacto nos laços mornos entre Washington e Ancara, embora a dinâmica entre os presidentes possa influenciar, dizem especialistas.
Já se foram os tempos de proximidade dos anos 1990, quando os Estados Unidos e a Turquia se consideravam aliados indispensáveis.
Após um longo período de introspecção e crises, os dois aliados da OTAN se acomodaram em uma aliança desconfortável, embora previsível, em que concordam em discordar em muitos temas, mantendo o diálogo aberto.
“Hoje, parece que ambos decidiram concordar em alguns pontos, discordar em outros e buscar áreas de cooperação”, disse Soner Cagaptay, do Instituto Washington para Políticas do Oriente Próximo, à AFP.
Essas áreas incluem a África, “onde a Turquia construiu influência, e a Eurásia muçulmana, onde a Turquia tem influência histórica e onde os dois poderiam trabalhar juntos”, acrescentou.
Mas muitos pontos complicam as relações.
Em 2019, Washington excluiu Ancara de seu programa de caças F-35 em resposta à decisão da Turquia de adquirir um avançado sistema de defesa antimíssil russo.
A Turquia também guarda um rancor de longa data sobre a aliança de Washington com uma milícia curda na luta contra os insurgentes do Estado Islâmico na Síria.
E as escolhas binárias de política externa de Ancara têm irritado Washington, especialmente seus laços com a Rússia e a China, além da recusa em aderir às sanções ocidentais contra Moscou.
Uma ponte longe demais?
Em um comentário do Brookings, Rich Outzen disse que as relações entre Estados Unidos e Turquia sempre tiveram suas dificuldades, mas agora há um sentimento de que as coisas se tornaram complexas demais para serem resolvidas.
“Uma visão se enraizou em Washington baseada na premissa de que as tensões EUA-Turquia podem não valer a pena serem resolvidas”, escreveu.
“De acordo com essa visão, Washington tem pouco a ganhar resolvendo as preocupações turcas, Ancara não pode ou não quer negociar de boa-fé, ou adotou posições tão irreconciliáveis com os interesses dos EUA e do Ocidente que não há razão para tentar.”
A relutância do presidente dos EUA, Joe Biden, em conversar com seu homólogo turco, Recep Tayyip Erdogan, não ajudou.
Biden caiu em desgraça quando, em uma entrevista ao *New York Times* em 2020 antes de ser eleito, chamou Erdogan de “autocrata”.
Durante seu mandato, Biden nunca visitou a Turquia nem recebeu Erdogan.
Uma reunião na Casa Branca, prevista para maio, foi adiada.
As tensões se aliviaram quando Ancara retirou seu veto à entrada da Suécia na OTAN, com Washington aprovando em janeiro a venda de aviões F-16 para a Turquia.
Mas esse ímpeto estagnou, com um crescente distanciamento entre Erdogan e Biden em relação à conduta de Israel na guerra de Gaza.
Funcionários turcos evitam dizer qual candidato eles preferem que vença.
Mas alguns analistas sugerem que Donald Trump, que foi presidente entre 2016 e 2020, poderia ser uma escolha melhor, considerando a relação pessoal do republicano com Erdogan.
‘Sem memórias positivas’
De uma perspectiva mais ampla, alguns acreditam que seria “mais benéfico” para a Turquia se os democratas continuassem no poder nos Estados Unidos, segundo o analista de política externa Serkan Demirtas.
“Defensores de uma administração liderada por Kamala Harris argumentam que a era Trump não deixou nenhuma memória positiva nas relações turco-americanas”, disse ele à AFP.
“As crises profundas e os ataques de Trump à economia turca deixaram Ancara em uma situação muito difícil.”
Em 2018, o Tesouro dos EUA impôs sanções aos ministros da Justiça e do Interior da Turquia devido à prisão de um pastor americano, o que fez a lira turca despencar para mínimos históricos.
E o apoio de Trump a Israel pode trazer problemas, já que o Oriente Médio se encontra à beira de um conflito generalizado.
“Al vitória de Trump é considerada arriscada para Ancara em meio ao crescente risco de um conflito entre Israel e Irã”, disse Demirtas.
Em entrevista publicada no domingo no jornal *Hürriyet*, o ministro das Relações Exteriores, Hakan Fidan, afirmou que o resultado da eleição americana pode agravar as tensões regionais.
“Dependendo do resultado da eleição nos EUA, a estratégia expansionista de (o primeiro-ministro israelense) Netanyahu na região pode aumentar”, disse ele, aparentemente aludindo a uma possível vitória de Trump.
Quando o empresário bilionário esteve no cargo, ele cultivou uma relação pessoal com Erdogan, que visitou a Casa Branca em 2017 e 2019.
Trump concordou em visitar a Turquia em 2018, mas nunca foi.
Embora a “química presidencial” — ou a falta dela — tenha impacto nos laços futuros, é improvável que altere as bases da relação, disse Cagaptay.
por Fulya OZERKAN
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