Tentativa russa ao largo da costa da Turquia testa a determinação de Erdogan
A investida da Rússia em um navio próximo à costa da Turquia traz as consequências da guerra na Ucrânia para outra fronteira da OTAN e aumenta as apostas enquanto Ancara busca persuadir Moscou a retomar um acordo de exportação de grãos que restauraria alguma calma ao Mar Negro.
Fuzileiros armados abordaram o navio baseado na Turquia por meio de um helicóptero no domingo, a cerca de 60 km ao largo da costa noroeste da Turquia, em águas internacionais, mas perto de Istambul, em uma inspeção que Moscou chamou antes de seguir para a Ucrânia.
A Turquia, a segunda maior potência militar da OTAN, não fez nenhum comentário público sobre o incidente que ocorreu muito ao sul da guerra que tem se desenrolado há um ano e meio no norte do Mar Negro.
Analistas afirmaram que isso testa a determinação do presidente Tayyip Erdogan em manter boas relações com o presidente russo Vladimir Putin, a quem ele convidou para visitar a Turquia este mês para discutir a retomada do acordo mediado pela ONU que protegia as exportações de grãos da Ucrânia.
“Esse tipo de agressão exercida tão perto de Istambul ficou sem resposta e não respeita os direitos gerais da Turquia”, disse Yoruk Isik, analista geopolítico baseado em Istambul na consultoria Bosphorus Observer.
“O silêncio de Ancara é estranho, mas mostra que ela ainda está contando com a visita de Putin e o retorno ao acordo de grãos.”
Desde que a Rússia saiu do acordo no mês passado, ambos, Rússia e Ucrânia, emitiram alertas e realizaram ataques a navios ao largo de suas costas, aumentando as preocupações de que o transporte comercial possa se tornar mais arriscado em todo o mar.
Enquanto a Ucrânia e alguns outros Estados ocidentais promoveram rotas alternativas para as exportações ucranianas, Ancara, que também mantém boas relações com Kiev, se opõe discretamente a elas por motivos de segurança. Ela deseja que o Ocidente aceite algumas demandas russas e que a Rússia abandone outras para reiniciar as exportações de grãos da Ucrânia sob supervisão da ONU e da Turquia.
Na quarta-feira, a Rússia atacou mais instalações portuárias ucranianas, mesmo quando Kiev anunciou que um navio de contêineres partiu de Odessa por seu próprio “corredor humanitário”, uma das opções alternativas.
Rebeca Grynspan, Secretária-Geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, afirmou na quarta-feira que está em contato com todos os lados para retornar à mesa de negociações, embora isso seja “difícil”, em parte devido ao recente bombardeio da infraestrutura de grãos.
DELICADO EQUILÍBRIO
O Mar Negro e os estreitos turcos são a principal rota que a Ucrânia e a Rússia – dois dos principais produtores agrícolas do mundo – usam para alcançar os mercados globais.
Desde o colapso do acordo de grãos com duração de um ano, que aumentou os preços globais das commodities e levantou preocupações da ONU sobre a fome no mundo, Rússia e Ucrânia disseram que tratarão os navios que se aproximam dos portos um do outro como potenciais embarcações militares.
Aydin Sezer, ex-diplomata turco e analista de política externa com base em Ancara, afirmou que a inspeção da Rússia no navio Sukru Okan, de bandeira de Palau, ocorreu tecnicamente em uma zona de guerra, dadas as advertências de Moscou e Kiev sobre os navios.
Dado que a Turquia enviou drones armados e outras armas para a Ucrânia, enquanto também se declara neutra na guerra, “é muito desafiador para a Turquia encontrar sua voz sobre esse assunto”, disse ele.
A Turquia se posicionou para facilitar quaisquer negociações de paz entre a Ucrânia e a Rússia. Ela se opôs à invasão russa, mas também às sanções ocidentais a Moscou, e aumentou a cooperação econômica com a Rússia durante a guerra.
Um oficial do ministério turco da defesa, que pediu para não ser identificado, disse que Ancara está investigando o ataque no Mar Negro, mas não deu mais detalhes. O navio seguiu para águas romenas, de acordo com dados da Refinitiv Eikon.
A Rússia não comentou sobre uma possível visita de Putin, embora a Turquia a tenha promovido repetidamente, inclusive em uma chamada entre os líderes em 2 de agosto.
A Rússia disse que voltaria ao acordo de grãos assim que o Ocidente cumprisse as obrigações destinadas a garantir a exportação tranquila de seus próprios grãos e fertilizantes, incluindo pagamentos e logística.
Sezer disse que suas duas principais exigências incluem a inclusão de um banco russo no sistema global de pagamentos SWIFT e permitir a importação de bens relacionados à agricultura.
“Portanto, Erdogan deve negociar e tentar convencer os países ocidentais, não Putin, para a reintegração do acordo de grãos”, disse ele.
Com reportagens adicionais de Huseyin Hayatsever e Gabrielle Tétrault-Farber; Edição de Kirsten Donovan
Por Jonathan Spicer e Ece Toksabay
Fonte: Russian raid off Turkey’s coast tests Erdogan’s resolve | Reuters