Tentaram silenciar o desportista Deniz Naki, assumidamente anti-Erdogan
Nas últimas semanas de 2017, divulgamos aqui a história de Enes Kanter, basquetebolista turco que joga na NBA (New York Knicks) e que enfrenta uma acusação de “injúrias ao presidente” Recep Tayyip Erdogan – se for considerado culpado, pode ser condenado a uma pena de prisão de um a quatro anos. Kanter é um assumido crítico do regime de Erdogan e não está sozinho nesta luta: o avançado Deniz Naki, nascido na Alemanha mas com nacionalidade turca, também nunca escondeu a antipatia pelo presidente turco e sofreu neste domingo “um atentado” à sua vida, de acordo com as suas palavras.
O carro em que Naki seguia, na autoestrada A4 alemã, foi alvo de vários disparos provenientes de um veículo preto, segundo revelou a porta-voz da procuradoria de Aachen, Katja Schlenkermann-Pitts. Ninguém ficou ferido – uma bala atingiu a janela do condutor e outra um pneu –, mas as autoridades abriram um inquérito por tentativa de homicídio. Ao jornal “Die Zeit”, Naki, que estava em terras germânicas de visita a familiares, garantiu acreditar que foi alvo de um ataque devido às suas posições políticas.
Os casos envolvendo o avançado de 28 anos – curdo-alevita – e o regime de Erdogan já não são novidade. Em janeiro de 2016, no Facebook, dedicou um golo “àqueles que perderam a vida e àqueles que foram feridos nos 50 dias de opressão”. Essa publicação, juntamente com algumas declarações ao jornal pró-curdo “Evrensel”, valeram-lhe uma suspensão recorde de 12 jogos por parte da Federação turca – por “propaganda ideológica contrária ao espírito desportivo” – e a ida a tribunal a pedido do próprio Ministério Público, acusado de propaganda ao terrorismo e de defender a causa do PKK, o ilegalizado Partido dos Trabalhadores do Curdistão – considerado terrorista pela Turquia, União Europeia e Estados Unidos. A pena de prisão podia chegar aos cinco anos, mas o próprio procurador pediu que o caso caísse. No fim da audiência, um dos parlamentares que se deslocou à Turquia (Jan van Haken) foi claro quanto ao desfecho do caso: “Por uma vez, a pressão internacional resultou.”
Em 2015 chegou a casa Deniz Naki nasceu em Duren, na Alemanha. Passou pela equipa secundária do Bayer Leverkusen e deu nas vistas no Ahlen (onde se estreou como profissional ao substituir Marco Reus) e St. Pauli. Chegou às seleções jovens alemãs, sagrando-se mesmo campeão europeu de sub-19 com a seleção germânica em 2008. Em 2013 rumou à I Liga da Turquia, pela mão do Gençlerbirligi, e dois anos depois assinou pelo Amedspor, do terceiro escalão.
O clube, por si só, tem uma história curiosa: Amed é o nome curdo de Diyarbakir, cidade do sudeste da Turquia de maioria curda e onde o conflito é recorrente. O clube só se chama Amedspor desde 2014 e a mudança do nome valeu, claro, uma multa por parte da Federação. Em novembro de 2014, Naki garantiu ter sido alvo de um ataque racista na capital Ancara. “Fui buscar qualquer coisa para jantar e fui abordado por três pessoas, numa rua secundária. Ameaçaram-me e disseram-me que este era o primeiro aviso, que o clube não precisava de alguém como eu e que devia ir embora”, contou ao “Bild”. Foi aí que decidiu abandonar o Gençlerbirligi e assinar pelo Amedspor. No braço direito, tem tatuada a palavra “Azadi”: significa liberdade em curdo. Já escapou à prisão e agora à morte.
Originalmente publicado em: https://sol.sapo.pt/