O avanço da Turquia para um regime de partido único
Sua vitória decisiva nas eleições de 2011 deu aos islamistas ainda outra oportunidade eleitoral para formarem um governo próprio. Em contraste aos dois períodos anteriores, desta vez, contudo, eles acabaram sendo libertos dos grilhões da burocracia kemalista e do estabelecimento militar em grande medida. Os islamistas finalmente tiveram uma oportunidade de criarem um regime político em sua própria imagem na Turquia. Em vez de democratizar ainda mais o sistema, eles decidiram dar uma decisiva guinada reversa, e começaram a trabalhar no estabelecimento de um regime autoritário.
Desde 2011, o governo do AKP na Turquia veio a representar um regime autoritário eleitoral. O campo de atuação foi progressivamente enviesado para favorecer o regime incumbente. A mídia independente foi impedida de cobrir os partidos de oposição, seus membros foram assediados e algumas vezes até presos sob acusações espúrias.
As eleições desde 2015 não têm sido nem livres nem justas. As eleições de 7 de junho e 1º de novembro em 2015 e especialmente o Referendo Constitucional em 2017 demonstraram que as eleições não são livres e justas na Turquia do AKP. O Referendo Constitucional de 2017 mudou o regime politico da Turquia de um sistema parlamentar para um presidencial forte. O Referendo foi conduzido em um ambiente de um nível sem precedentes de medo e restrições contra as forças de oposição que fizeram companha o voto “Não”.
O governo do AKP conduziu um nível sem precedentes de repressão contra forças de oposição desde os Protestos do Parque Gezi de 2013 em Istambul. Durante os Protestos do Parque Gezi de 2013, em uma repressão ordenada pelo governo, oito manifestantes foram mortos, centenas foram feridos.
Em dezembro de 2013, uma série de investigações policiais revelaram corrupção envolvendo a elite de alto nível do AKP, incluindo o filho de Recep Erdogan, Bilal Erdogan, e três ministros do gabinete. Apesar das evidências claras, o AKP se recusou a deixar que sua elite fosse investigada. Erdogan caracterizou as investigações como um complô desenvolvido pelo Movimento Gulen e iniciou uma extensa repressão contra o Movimento. Os policiais encarregados das operações foram presos. Os promotores do caso foram substituídos e os casos foram subsequentemente fechados. Nos meses seguintes, o governo do AKP nomeou seus administradores para todas as organizações de mídia afiliadas a Gulen para transformá-las em porta-vozes pró-AKP e outras instituições, efetivamente usurpando milhares de propriedades privadas.
A repressão do governo contra o Movimento Gulen atingiu uma escala massiva depois da tentativa fracassada de golpe em julho de 2016. Apesar da falta de evidências claras, o governo culpou os gulenistas pelo golpe. Erdogan e o AKP usaram a tentativa de golpe como uma justificativa para uma detenção em massa de não apenas participantes do Movimento Gulen mas de qualquer um que criticasse Tayyip Erdogan e seu regime político. Em 2017, a Anistia Internacional relatou a demissão arbitrária de mais de 100.000 funcionários do setor público que incluíam mais de 3.500 juízes, membros das forças armadas, policiais, professores, médicos, acadêmicos e pessoas que trabalhavam em todos os níveis do governo central e local. Os juízes e promotores públicos processados foram substituídos com os que são leais ao AKP. Esses expurgos e evacuações massivos por completo de ramos da burocracia estatal forneceram uma base apropriada para que o AKP manipulasse o Referendo Constitucional em 2017, dado que nenhuma mídia e judiciário independentes permaneceram para verificarem a implementação das regras e regulamentações de eleições.
Erdogan e o AKP eliminaram partidos de oposição da competição eleitoral através de vários métodos. Logo depois das eleições de 1º de novembro em 2015, os líderes do HDP, Selahattin Demirtas e Figen Yuksekdag foram presos sob acusações duvidosas. Elas foram seguidas por uma série de mais prisões dos deputados e prefeitos eleitos do HDP no sudeste da Turquia. Como um resultado, o HDP, o único partido no Parlamento com uma capacidade de reverter a equação eleitoral contra o AKP, for efetivamente paralisado. Esses desdobramentos demonstram que além da “democracia”, o regime turco perdeu seu componente “competitivo” também.
O AKP fornece um caso em que podemos analisar um partido islamista permanecendo no poder com um governo de partido único por recordes 15 anos. Vários outros partidos islamistas vieram só poder no mundo muçulmano nos últimos 7 anos: PJD no Marrocos, Annahda na Tunísia, FJP no Egito. Todos esses três partidos se originaram de movimentos islamistas populistas em seus respectivos países. Apesar de cada caso ser certamente diferente, a mistura peculiar do AKP de populismo com islamismo na Turquia pode iluminar a compreensão de outros partidos islamistas no Mundo Muçulmano. O AKP instrumentaliza o Islã ao gerar justificativas para o seu papel hegemônico na sociedade e política turcas, ao exigir obediência ao seu regime, e em sustentar o apoio de sua base de eleitores.
Professor Ihsan Yilmaz, PhD (Londres)
Chefe em Estudos Islâmicos e Interculturais
Instituto Alfred Deakin para Cidadania e Globalização
Universidade Deakin
Austrália