Qual é o jogo final de Erdogan?
O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, recentemente chamou seu gabinete e todos os deputados de seu Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP) para uma reunião urgente. Em sua costumeira linguagem grosseira, ele disse: “O único alvo dos ataques de dentro e de fora é o AKP” e pediu: “quem quer que esteja cansado, afaste-se”.
A cadeia de eventos envolvendo a Turquia mostra que sinais de isolamento se tornaram mais fortes. A crise no Catar pegou Erdogan em uma posição que se parece com uma paralisia política. Sua recente viagem à Arábia Saudita e ao Golfo fez muito pouco, se alguma coisa, para convencer os anfitriões da posição turca.
Sua intervenção em outra crise, a dos locais sagrados de Jerusalém, desencadeou um resposta dura de Israel, postergando o aliviamento das tensões que ele tinha por um longo tempo esperado.
A divisão que se agrava entre Berlim e Ancara, baseando-se na severa erosão dos direitos humanos na Turquia, ameaça com um contágio de medidas financeiras de outros membros da União Eropeia, o que sinalizou que ela engavetou as negociações sobre as viagens sem visto para cidadãos turcos em solo da União Europeia.
Até recentemente, o líder da Turquia com determinação de ferro havia se sentido relativamente seguro em seu país. Seus constantes desafios aos governos ocidentais, coloridos com ameaças, aumentaram depois do referendo na Turquia. Uma pesquisa feita em 26 províncias pela Universidade Kadir Has sobre a política externa turca indicou que a aproximação de Erdogan ganhou apelo pois 38,5% dos pesquisados disseram que consideram a política externa da Turquia como bem-sucedida, um aumento de 4,5% quando comparado com a pesquisa de 2016.
A porcentagem dos que disseram que “A Turquia possui aliados” diminuiu de 23,1% para 17,2% em 2017. Os países vistos como apresentando a maior ameaça à Turquia foram os Estados Unidos (66,5%), Israel (37,4%) e membros da União Europeia (24%). A percepção da União Europeia como uma ameaça mais do que dobrou desde a enquete de 2016, uma das mais marcantes conclusões da pesquisa. A percepção de ameaça quanto a Rússia, por outro lado, caiu de 34,9% em 2016 para 18,5% em 2017.
Erdogan possui três desafios iminentes. O primeiro envolve emendar os estatutos do Parlamento. A essência das mudanças, apoiadas pelo seu aliado de fato na política, o Partido do Movimento Nacional (MHP), significa limitações severas das atividades da oposição na legislatura, significando que Erdogan tomará quase o controle completo sobre a legislação.
Em segundo lugar, Erdogan deve agir para completar o expurgo que começou no antigo poderoso Exército Turco. Relatos sugerem que uma reformulação massiva dos seus escalões mais altos está a caminho. As forças armadas turcas, contudo, continuarão a operar com um DNA institucional, que pode se posicionar de forma simpática ao Islã político e suas derivações.
O terceiro desafio, que tem a ver com o chamado de 20 de julho de Erdogan ao seu gabinete e deputados do AKP, parece o mais difícil. Relatos não confirmados de dentro do partido indicam um descontentamento crescente com a constante política de tensões que Erdogan implementa com os outros países, em particular por causa de suas confrontações com a Alemanha.
Erdogan sabe que qualquer afrouxamento de sua autoridade linha-dura sobre o partido provavelmente causaria um reação em cadeia extremamente perigosa: Isso não apenas iniciaria uma nova dinâmica dentro da direita turca mas também entre as forças nacionalistas-militaristas que parecem estar posicionadas nas trincheiras.
O roteiro está completamente claro na perspectiva de Erdogan: Não existe meio de ficar no poder sem o controle completo não apenas sobre o judiciário, mídia e legislatura, mas também sobre os militares e o partido. Consequentemente, Erdogan tem apenas que jogar duro em cada nível em seu país.
“Se podemos dizer alguma coisa, o mundo não deve ficar surpreso se ela continuar a deter e sentenciar estrangeiros, como o Irã faz”, escreveu Henri Barkey, um professor de ralações internacionais na Universidade Lehigh, sobre a administração de Erdogan em uma análise recente na revista Atlantic.
“Erdogan está decidido em remodelar o sistema turco em um ancorado em sua personalidade … Para ser bem-sucedido, contudo, ele deve anular as narrativas rivais – por isso sua obsessão com prender acadêmicos, jornalistas, think-tankers e intelectuais”, escreveu Barkey.
Quando mais duramente Erdogan for desafiado pelos outros países, mais profunda a crise turca será.
“Existem apenas dois fatores que o governo não consegue controlar completamente: a economia e eventos nos países vizinhos”, disse Barkey. “No final, o que acontecer nesses domínios e um aparato para se fazer decisões e muito diminuído, determinará se o reino de Erdogan durará”.
O drama é que Erdogan, através de seus passos resolutos, pode ter passado do ponto sem retorno para a Turquia. A liderança ocidental consentirá com um formato ditatorial em nome da aparente contenção e estabilidade? Este é o jogo final de Erdogan e ele pode vencer.
Yavuz Baydar
Fonte: http://www.thearabweekly.com