Erdogan tem algo importante em mente?
Vários desdobramentos nos últimos dias, em sua maioria jogadas do Presidente Recep Tayyip Erdogan, podem ser sinais que ele tem algo importante em mente na fase de planejamento.
Eu não estou falando das jogadas nas relações externas. Nas relações externas parece que ele venceu a rodada contra Israel, pois os detectores de metal nas entradas da Mesquita Al-Aqsa foram retirados e os portões estão abertos novamente para que os muçulmanos façam as orações de sexta-feira. A tensão com a Alemanha parece ter perdido a intensidade depois dos atritos na semana passada. O panorama da Síria não está tão bom já que foi o Egito que rompeu o cessar-fogo em Ghouta entre as forças rebeldes e Bashar al-Assad, não a Turquia – mas não ocorreu algum desdobramento dramático lá também.
Os sinais estão relacionados ao panorama doméstico da Turquia e parte dele está relacionado às relações externas.
As novas nomeações para embaixador anunciadas em 26 de julho fazem, por exemplo, parte disso. Há duas nomeações políticas na Turquia e uma delas criou controvérsia. Há a nomeação de Merve Kavakci para Kuala Lampur. Ela tem sido uma figura de liderança no debate do véu na Turquia nas últimas duas décadas.
Quando ela foi eleita como um membro do parlamento em 1999 pelo Partido Fazilet, o partido que dera à luz ao governante Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP) de Erdogan, o então Primeiro-Ministro Bulent Ecevit e seu Partido da Esquerda Democrática (DSP) no Parlamento havia protestado e se oposto à tomada de posse de Kavakci porque ela veio usando um véu, que era considerado um desafio à democracia secular da Turquia e um incidente que havia sido o gatilho para um grande conflito na época. Ela retornou à sua cidadania turca vindo de sua americana, e agora é nomeada como uma embaixadora. Dursun Cicek, um deputado do principal partido de oposição, o Partido Popular Republicano (CHP), mostrou uma foto à mídia em 27 de julho e peguntou se era Kavakci que havia se ajoelhado perante um xeique islamista em um gesto de juramento de fidelidade, e se fosse isso, como que ela representaria a República Turca sob tais circunstâncias. Não há nada de errado em termos legais para Erdogan nomear Kavakci com uma embaixadora; as qualidades para a elegibilidade são outra questão. Nomeações políticas existem no mundo todo. Mas se a nomeação de uma embaixadora a uma importante capital traz à mente motivações de vingança doméstica contra o – originalmente problemático – estabelecimento secularista, isso seria algo novo.
Outro sinal é a atitude de Erdogan a respeito da futura carreira de Mehmet Gormez, o chefe da autoridade religiosa da Turquia, a Diyanet. Há alguns dias, Erdogan disse que não era ele pedindo a Gormez que deixasse o cargo, mas que se Gormez está pensando em uma nova posição, ele poderia considerar. Ao mesmo tempo, Erdogan falou sobre o estabelecimento de uma Universidade Internacional do Islã em Istambul para ensinar em turco, árabe e inglês, o que era necessário para ensinar o Islã de verdade. Já mais poderoso que muitos ministros e gastando mais do orçamento do que muitos deles, Gormez disse que depois de servir em seu honrável cargo, pensaria apenas na ciência [islâmica e teológica] como o próximo passo. O desdobramento coincidiu com uma jogada do governo para dar poder aos “muftis”, que são empregados do governo nomeados pela Diyanet, para oficialmente conduzir casamentos de casais, diferentemente dos prefeitos eleitos pelo povo, como é atualmente. A oposição feita pelo Partido Popular Republicano (CHP) criticou a jogada, dizendo que é um passo que viola o código civil secular da Turquia.
Ontem, em 27 de julho, Erdogan se dirigiu ao grupo do AKP o parlamento e disse que os que estão exaustos no caminho para a grande causa do AKP deveriam afastar-se e deixar suas posições para aqueles que estão dispostos a servir. Ele usou a palavra “deformação profissional” para descrever parlamentares e funcionários do partido que têm servido em seus cargos por um longo tempo e presumindo que esses cargos sejam para sempre. Logo depois do referendo de 16 de abril, que consolidou todo o poder executivo na presidência, Erdogan havia reclamado da “fatiga material” dentro do AKP e disse que o partido precisava de uma renovação. No discurso de ontem, ele disse que os parlamentares deveriam tirar uma semana de férias para descansar e então começarem a trabalhar no próximo salto para alcançarem o alvo das eleições de 2019.
Erdogan é o tipo de político que de fato dá uma pista de cada jogada com antecedência em seu próprio estilo. Os que conseguem ler nas entrelinhas podem ver que ele poder ter algo importante em mente a respeito da estrutura administrativa na Turquia. Logo conseguiremos compreender conforme ele dá mais pistas através de seus discursos e jogadas.
MURAT YETKİN