As emendas constitucionais da Turquia são perigosos retrocessos
Apontando que “a essência das emendas constitucionais propostas representa um perigoso retrocesso na tradição democrática constitucional da Turquia”, a Comissão de Veneza do Conselho da Europa (CoE) exortou o governo turco a respeitar os princípios da separação dos poderes e do estado de direito que requer fiscalização o suficiente para ser integrado no sistema político concebido.
Ao publicar sua opinião sobre as emendas à constituição adotadas pelo Parlamento Turco em 21 de janeiro de 2017, a Comissão de Veneza afirmou hoje que: “Quando um sistema presidencial é escolhido, (…) uma precaução específica se torna necessária, pois o presidencialismo carrega um perigo intrínseco de se degenerar em um regime autoritário”.
De acordo com a opinião da Comissão de Veneza: “Em um sistema presidencial, os poderes executivo e legislativo derivam seus poderes e legitimidade do povo, através de eleições realizadas em intervalos fixos. Os dois poderes são rigidamente separados, então assim conflitos entre os dois inevitavelmente surgem. Governar nesse contexto requer meditação sobre esses conflitos. Para ter um significado, a separação de poderes requer portanto que os diferentes poderes devam ser constituídos de una forna que também permita a existência de aproximações e ênfases políticas divergentes”.
Criticando o sistema presidencial no “estilo turco”, a Comissão afirmou que ele constituiria um rompimento decisivo na história constitucional do país. A Comissão também destacou a questão de que o processo de debate e adoção parlamentares das emendas constitucionais ocorreram em um contexto onde vários deputados do segundo maior partido de oposição estavam na cadeia.
Acrescentando que o processo todo de adoção e submissão parlamentares para aprovação por referendo das emendas constitucionais está ocorrendo durante o estado de emergência, quando limitações muito substanciais sobre a liberdade de expressão e a liberdade de assembleia estão em vigor, a Comissão declarou suas preocupações dizendo que “Em especial o ambiente extremamente desfavorável para o jornalismo e o debate público cada vez mais empobrecido e unilateral que prevalecem na Turquia neste momento põem em questão a própria possibilidade de se realizar uma campanha a favor de um referendo democrático e inclusivo sobre a conveniência das emendas”.
A Comissão continuou sua crítica desta maneira:
“Elas não são baseadas na lógica da separação dos poderes, que é característica de sistemas presidenciais democráticos. As eleições presidenciais e parlamentares seriam sistematicamente realizadas juntas para se evitar possíveis conflitos entre os poderes executivo e legislativo. A separação formal deles portanto fica em risco de ser sem significado na prática e o papel do poder mais fraco, o Parlamento, entra em risco de se tornar marginal. A prestação de contas do presidente estaria limitada às eleições, que ocorreriam apenas a cada cinco anos.
“O novo presidente exerceria sozinho o poder, com um poder não supervisionado para nomear e dispensar ministros, que não formam um governo colegiado, e para nomear e dispensar todas as autoridades na base de critérios determinados apenas por ele ou ela. – O presidente receberiam o poder de escolher um ou mais vice-presidentes; um deles, sem qualquer legitimidade democrática e sem validação pelo parlamento, e seria chamado a exercer funções presidenciais em caso de vacância ou ausência temporária da posição presidencial.
“O presidente, vice-presidentes e ministros prestariam contas apenas através do procedimento de impeachment, que é uma ferramenta muito fraca de supervisão parlamentar;
– O presidente teria a permissão de ser um membro e até o líder de seu partido político, o que lhe daria influência sobre a legislatura.
– O princípio da sincronização compulsória das eleições presidenciais e parlamentares seria introduzido.
– O presidente receberia o poder de dissolver o Parlamento sob quaisquer justificativas, o que é fundamentalmente estranho a sistemas presidenciais democráticos, enquanto que seria obrigado a convocar, neste caso, eleições presidenciais antecipadas. Esta forma de resolver problemas políticos é, na melhor das hipóteses, rudimentar.
– O presidente teria a oportunidade de obter um terceiro mandato, se o Parlamento decidir renovar as eleições durante seu segundo mandato. Esta é uma exceção não justificada à limitação de dois mandatos presidenciais na Constituição turca e também em relação a uma boa prática europeia.
– O presidente também teria um poder extenso para emitir decretos presidenciais sem a necessidade de uma lei delegando poderes que o Tribunal Constitucional poderia revisar; apesar de que em princípio as leis prevaleceriam sobre decretos presidenciais, as emendas não conseguem introduzir mecanismos eficientes para assegurar tal prevalência na prática.
– O presidente receberia o poder exclusivo de declarar um estado de emergência e poderia emitir decretos presidenciais sem qualquer limitação durante o estado de emergência.
“Em um regime presidencial, um judiciário forte e independente é essencial para resolver conflitos entre os poderes executivo e legislativo. Contudo, as emendas propostas enfraquecem, em vez de fortalecerem o judiciário turco.
“O controle executivo aprimorado sobre o judiciário e promotores que as emendas constitucionais ocasionariam seria ainda mais problemático, no contexto em que já tem havido preocupações duradouras a respeito da falta de independência do judiciário turco. As emendas enfraqueceriam um sistema de supervisão judicial já inadequado do executivo.”
“As emendas constitucionais propostas introduziriam na Turquia um regime presidencial que carece dos controles e contrapesos necessários para evitar que se torne autoritário.
“Concluindo, a Comissão de Veneza é da visão de que a essência das emendas constitucionais propostas representam um perigoso retrocesso na tradição democrática constitucional da Turquia. A Comissão de Veneza deseja enfatizar os perigos de degeneração do sistema proposto para um regime autoritário e pessoal. Além disso, o momento é o mais infeliz e é em si mesmo causa de preocupação: o atual estado de emergência não provê o devido arranjo democrático para um referendo constitucional.
Fonte: http://stockholmcf.org