Turquia vai às urnas em votação que pode mudar rumo do país
A Turquia se prepara para a votação de um referendo neste domingo (16) a mais importante mudança política desde a fundação de sua República em 1923. Os eleitores turcos irão às urnas para decidir se país poderá trocar o regime parlamentarista pelo presidencialista.
Desejado pelo atual presidente Recep Tayyip Erdogan desde 2011, o referendo constitucional deste domingo pode dar muito mais poderes para o mandatário, além de abolir a figura do primeiro-ministro e diminuir a atuação do Parlamento.
Erdogan defende a reforma como fundamental para manter a estabilidade e o crescimento econômico da Turquia. Mas os opositores argumentam que será o fim da democracia no país.
A votação ocorrerá em um período crítico para a Turquia, afetada por constantes ataques “terroristas” e sob estado de emergência que vigora desde a tentativa frustrada de golpe de Estado militar contra Erdogan em 2016. Além disso, nos últimos 18 meses, mais de 530 pessoas morreram e mais de duas mil ficaram feridas em algum atentado terrorista no país. Em entrevista à ANSA, o especialista Arnaldo Francisco Cardoso, professor de Comércio Exterior da Universidade Mackenzie, disse que um dos maiores objetivos de Erdogan com este referendo é obter uma maioria no Parlamento que não veio através das eleições de 2015.
“Se Erdogan tivesse obtido a maioria naquelas eleições para o cargo de presidente e para formação do Parlamento, ele poderia fazer as reformas sem a necessidade de referendo. Então, na verdade, esse referendo é para levar adiante e submeter ao voto, à participação popular, as reformas que ele pretende fazer”, disse. “Essas reformas têm, sobretudo, o propósito de reforçar o poder do presidente, que, no atual regime, tem suas funções bastante limitadas. E uma dessas limitações que o Erdogan quer derrubar, é da atuação política do presidente”, acrescenta.
Para o diretor do Centro Cultural Brasil-Turquia, Yusuf Elemen, no entanto, o que está em jogo na votação é a democracia.
Crítico de Erdogan, ele vê no referendo a tentativa do atual mandatário de “monopolizar o poder”.
“Está em jogo a democracia do futuro desse país, onde a democracia ainda não é consolidada e muito frágil. Ele está aproveitando dessa fragilidade para instaurar um governo de um homem só”, afirmou Elemen à ANSA.
“Atualmente, há um ambiente político extremamente polarizado na Turquia e muito hostil. O ambiente é totalmente de medo. E o medo faz uma grande massa ficar em silêncio”, comentou Elemen, prevendo “muitos problemas” durante o dia de votação.
União Europeia: O resultado do referendo na Turquia poderá mudar não somente o cenário interno, mas também impactar a União Europeia (UE), já que Ancara é protagonista de um acordo que diminui o intenso fluxo de imigrantes ao continente. Atualmente, o país de Erdogan abriga mais de 2,5 milhões de refugiados – em sua maioria sírios – e o país desempenha um papel fundamental para diminuir a saída dos deslocados nas longas travessias pelo Mar Mediterrâneo.
Em caso de vitória, Erdogan também terá ainda mais respaldo político para negociar e pleitear a entrada de seu país no bloco econômico. Mas, se perder, deve usar todas as suas prerrogativas para aliviar o peso da imigração ilegal em seu território.
Para Elemen, a situação é favorável ao presidente turco. “Com qualquer resultado, Erdogan estará no poder. Ele ainda terá mais um mandato, ele tem mais de 10 anos [no poder], e poderá se eleger para mais um mandato. Ele tem uma grande carta contra a Europa, contra a União Europeia, seja sim ou não”, destaca o diretor.
Elemen, que não acredita em derrota do presidente porque “Erdogan sempre tem um plano B, plano C, plano D”, afirma que a UE é uma “refém” do governo turco. Curdos: Um dos grupos que mais sofrem com a falta de demandas atendidas na Turquia, os curdos fazem campanha contrária ao referendo. Considerados “terroristas” pelo governo de Ancara, em um reconhecimento que não tem o apoio nem dos Estados Unidos, nem da União Europeia e da Rússia, a minoria conta com uma ala que se identifica como “progressista” e uma ala mais separatista.
Os curdos ainda são fundamentais para os países que lutam contra os grupos terroristas Estado Islâmico e Frente al-Nusra, seja pela coalizão Ocidental como pelos russos, evitando que os extremistas se espalhem territorialmente pela fronteira entre Síria e Turquia.
Nas eleições de 2015, eles conseguiram uma representatividade inédita. “O Partido Democrático do Povo elegeu 80 deputados e passou a ter 13% do Parlamento. Mas, isso não tem feito com que Erdogan atenda as demandas por maior autonomia dos curdos”, relembrou o professor. “Com uma possível vitória de Erdogan no referendo, é muito provável se acirre essa tensão entre seus opositores”, disse Cardoso.
Por Tatiana Girardi (ANSA)
Fonte: noticias.uol.com.br