Um ano após acordo entre UE e Turquia, migrantes ainda aguardam na Grécia pela chance de seguir viagem
Pacto praticamente acabou com fluxo migratório rumo à Europa, e milhares de requerentes de asilo ainda aguardam na Grécia pela chance de seguir viagem até o norte do continente. Contrabandistas se aproveitam da situação.
Por Deutsche Welle
Há um ano, milhares de requerentes de asilo se amontoavam na pequena cidade grega de Idomeni, na fronteira com a Macedônia. Dias antes, entrara em vigor o acordo migratório entre União Europeia (UE) e Turquia – para conter o fluxo de refugiados rumo a Europa –, mas muitos dos migrantes ainda tinham esperança de que a fronteira fosse aberta novamente para eles. Hoje, o lugar está vazio.
Uma placa com a palavra “esperança” e a cerca entre os dois países são a única lembrança do que já foi o maior campo de refugiados da Europa. O acesso ao local onde o acampamento ficava é proibido. De tempos em tempos, voluntários chegam do exterior, mas são rapidamente levados à delegacia de polícia local e interrogados. Jornalistas precisam de uma autorização das autoridades gregas se quiserem visitar o local, sendo então acompanhados por oficiais das Forças Armadas.
Funcionários da agência de fronteiras europeia Frontex começaram há pouco a ajudar as autoridades gregas a impedir transposições irregulares de fronteira na área. Foram enviados 40 funcionários, incluindo especialistas em detecção de passaportes falsos, outros guardam uma grande parte da fronteira e inspecionam trens de carga, procurando migrantes ilegais.
“Os números não são especialmente elevados, mas nos primeiros meses deste ano, alguns milhares de pessoas conseguiram chegar ao outro lado da fronteira”, diz a porta-voz da Frontex, Ewa Moncure.
Implementado em março de 2016, o acordo migratório entre UE-Turquia previa que requerentes de asilo que chegassem à Grécia fossem enviados de volta ao território turco. Em contrapartida, Ancara receberia compensações políticas e financeiras.
Ajuda do GPS
Mohammed, sírio de 24 anos, espera sua transferência oficial para o norte da Europa. Seus amigos o chamam de Mr. Smiley, porque ele sempre tem um sorriso no rosto, apesar de sua história de sofrimento. Juntamente com o irmão, ele chegou à Grécia pouco antes do fechamento da fronteira.
Quando eles chegaram aqui, pegaram números de espera, até chegar a vez deles para atravessar a fronteira. O irmão conseguiu alcançar o outro lado, mas no dia seguinte a fronteira foi fechada, e Mohammed permaneceu. Depois de esperar algum tempo em Idomeni, ele decidiu atravessar a fronteira ilegalmente e buscar seu irmão.
“Eu consegui com a ajuda de alguns amigos e do GPS do meu smartphone”, diz. “Andamos por nove horas, atravessamos um rio perto da fronteira, e quando estávamos no lado macedônio, contornamos a cidade de Gevgelija, porque tinha muitos policiais por lá. Quando encontramos a linha ferroviária, seguimos o trilho e finalmente chegamos ao campo de refugiados Gevgelija”, recorda-se Mohammed.
No campo, ele realmente encontrou seu irmão. Mas depois de meses de espera, ambos retornaram à Grécia e pediram para serem realocados – com sucesso, porque eles vêm da Síria. Outros têm menos sorte.
Trem de carga
Centenas, se não milhares de migrantes dos campos de refugiados gregos foram “perdidos”. Parte deles chegou a países do norte, alguns voltaram à Turquia, outros também à Síria.
Atrás do notório campo de refugiados perto de Tessalônica, regularmente partem trens de carga rumo ao norte, na maioria dos casos, para a Alemanha. Os migrantes vivem em vagões velhos e enferrujados e pegam sua comida do acampamento próximo.
Eles não têm dinheiro para continuar a viagem e nenhuma possibilidade de reassentamento ou de obter refúgio na Grécia, porque a maioria vem de Argélia, Tunísia e Marrocos.
Eles estão todos à espera de uma boa oportunidade para saltar em um dos trens de carga rumo ao norte. Quando a reportagem chegou ao local, a polícia grega havia acabado de pegar um grupo de cerca de 20 pessoas que tentaram pular em um dos trens.
“Eu vou tentar, mas é muito perigoso”, reconhece um jovem argelino.
Tráfico humano
Junto com o fechamento da fronteira da Macedônia, o pacto UE-Turquia praticamente acabou com o fluxo de migrantes que chegam à Europa pela chamada rota dos Bálcãs. A maioria tinha como destino países do norte, como a Alemanha e a Suécia. Mas o fechamento da rota dos Bálcãs também beneficiou os negócios dos contrabandistas de pessoas.
Um edifício abandonado não muito longe do centro de Tessalônica se tornou um ponto de encontro para os migrantes sem-teto que não têm acesso aos campos e também para aqueles que estão esperando o sinal de partida dos seus contrabandistas.
Abdullah é afegão, tem 23 anos e cresceu no Paquistão. Sua família já fugia do Talibã antes de ele nascer. Quando o governo paquistanês passou a ser mais severo em relação aos afegãos, ele voltou ao Afeganistão. Dois meses depois, decidiu deixar o país. Depois de uma longa e árdua viagem, chegou à Grécia através do Evros, rio na fronteira entre a Turquia e a Grécia.
No começo, ele tentou atravessar de barco de Patras, no sul da Grécia, para a Itália, mas foi preso e passou alguns dias na cadeia. Ao ser solto, recebeu da polícia grega um certificado que lhe permitia uma estadia de um mês na Grécia, mas proibia o acesso a áreas de fronteira e à capital Atenas.
Sua única chance foi pedir asilo na Grécia. Mas ele ainda quer ir para o norte. “Eu fui para Atenas, paguei 3.400 euros a um contrabandista para obter um passaporte, mas eu ainda estou esperando para ir. É minha única chance. Quero ir para a França, encontrar meu primo com quem cresci”, diz.
Enquanto a reportagem entrevista Abdullah, um novo grupo de requerentes de asilo afegãos chega a Tessalônica. Eles dizem que as forças de segurança na fronteira búlgara os espancaram e roubaram suas roupas, os deixando só de roupas íntimas.
Abdullah está tenso e preocupado. Faz duas semanas que ele pagou por um passaporte falso, e o contrabandista não dá sinal de vida. A estadia de um mês que as autoridades gregas lhe concederam expirou dias atrás, e ele teme ser preso. “Se alguém me pedir um conselho, eu diria ‘não venha para cá, é muito perigoso'”, diz Abdullah, com voz trêmula.
Fonte: http://g1.globo.com