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Fui à Turquia para entrevistar o Presidente e (quase) tudo que consegui foi um encontro com um teorista da conspiração

Fui à Turquia para entrevistar o Presidente e (quase) tudo que consegui foi um encontro com um teorista da conspiração
março 21
17:46 2017

ANCARA, Turquia – Na semana passada, o prefeito de Ancara escoltou a mim e cerca de uma dúzia de outros jornalistas para uma sala sem janelas com fileiras de poltronas de veludo verde viradas para uma televisão de tela plana e nos contou sua teoria sobre o ISIS (Estado Islâmico no Iraque e no Crescente).

Repórteres de um conjunto dos principais veículos de mídia, incluindo o New York Times, Washington Post, Wall Street Journal e Associated Press, havia viajado para Ancara para entrevistar o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, e outras autoridades do alto escalão do governo. Mas o prefeito, um homem bigodudo e energético chamado Melih Gokcek, tinha uma ideia diferente.

O ISIS “é uma organização artificial, uma organização falsa, exatamente como o Presidente Trump diz”, contou Gokcek aos jornalistas de 11 dos principais veículos da mídia ocidental através de um intérprete. O ISIS é na verdade a organização sucessora do al-Qaeda no Iraque. Mas Trump “não disse isso apenas uma vez, ele repetiu isso três vezes”, disse Gokcek. “Portanto três vezes – acredito que tem um pouco de verdade nisso”.

Foi por volta dessa hora que percebi que definitivamente não íamos nos encontrar com Erdogan.

Os outros repórteres e eu havíamos viajado para Ancara para ouvirmos o lado do governo turco de uma história complicada. A Turquia, um membro da OTAN, é um dos aliados muçulmanos mais importantes dos Estados Unidos no Oriente Médio. Mas as relações se azedaram recentemente – em parte porque as autoridades governamentais turcas estão bravas por os EUA não terem extraditado Fethullah Gulen, o clérigo que elas acusam de tramar o golpe fracassada em julho do ano passado.

As autoridades turcas estão inflexíveis quanto a Gulen, que agora vive em um exílio autoimposto na Pensilvânia, ser o culpado pela tentativa de golpe. Mas elas não conseguiram oferecer alguma evidência concreta.

Erdogan raramente se faz disponível para a mídia – especialmente para repórteres estrangeiros que são mais livres que jornalistas turcos para criticar seu governo. Portanto quando Adam Sharon, um executivo de relações públicas baseado em Washington, contactou-me e vários outros repórteres no mês passado e ofereceu entrevistas com Erdogan e outras autoridades superiores turcas, ocorreu uma chance, contudo remota, para repórteres americanos avaliar cara a cara se as autoridades superiores turcas possuíam alguma evidência para suas alegações sobre Gulen.

Se o objetivo da viagem era convencer os repórteres que o caso do governo turco contra Gulen era baseado em fatos, em vez de insinuações e teorias da conspiração, o tiro saiu pela culatra espetacularmente.

Gokcek, que tem sido o prefeito de Ancara por quase 23 anos, ofereceu-se para organizar os encontros, e sua equipe fez tudo que podia para atiçar os repórteres a fazerem a viagem. Eles deram um convite que propunha organizar encontros com Erdogan, o primeiro-ministro, o ministro das relações exteriores, o chefe de estado para os militares e o chefe da inteligência nacional. Eles mais tarde deram sequência com uma itinerário detalhado. Eles ofereceram cobrir o custo da tarifa aérea, alojamento e refeições. (O Huffington Post pagou os meus custos.)

Onur Erim, assessor-chefe do prefeito, se alistou na ajuda de Arda Sayiner, especialista em relações públicas de Istambul. Sayiner trouxe Sharon, que foi pago US $ 20.000 para o seu trabalho de criação da viagem. Sayiner recebeu “muito, muito pouco”, disse ele, recusando-se a dizer o quanto.

Gokcek se encontrou conosco em um complexo que ele usa para entreter convidados na primeira noite de nossa viagem de dois dias na capital. Ele tinha uma rosa vermelha para cada uma das repórteres em honra do Dia Internacional das Mulheres. O prefeito disse que estava animado para nos mostrar “filmagens nunca vistas” do golpe fracassado de 15 de julho de 2016. O vídeo era tão sangrento que as mulheres podem não conseguir assistir, alertou seu conselheiro chefe durante o almoço.

Os repórteres estavam ficando inquietos. Nossos anfitriões haviam retirado o chefe de inteligência da Turquia de nosso itinerário e substituído-o com o ministro da justiça. Nosso compromisso com o ministro da justiça ficava sendo adiado para que ele pudesse reunir evidências melhores contra Gulen, Sayiner nos contou – uma alegação que parecia questionável, na melhor das hipóteses. E fontes nos gabinetes do presidente e do primeiro-ministro contaram aos nossos colegas baseados na Turquia que nós não estávamos nas programações oficiais.

O dia estava quase no fim, e com a exceção de uma entrevista pela manha com o vice Primeiro-Ministro Mehmet Simsek, tínhamos passado muito dele fazendo um tour no mausoléu de Mustafa Kemal Ataturk uma antiga favela que havia sido revitalizada em Ancara. Nós também vimos prédios do Parlamento que haviam sido danificados durante a tentativa de golpe. A destruição estava sendo preservada para que gerações futuras vissem, nosso guia parlamentar, Sami Akgun, disse. Ele nos mostrou uma porção bombardeada da Grande Assembleia Nacional – e um buraco no chão na frente dela. A depressão costumava ser mais profunda, disse Akgun, mas a chuva e a neve durante os oito meses desde o ataque haviam preenchido parcialmente o buraco.

Quando perguntamos sobre novidades quanto às nossas entrevistas, Sayiner nos assegurou que elas ainda aconteceriam, mas ele não disse quando.

Gokcek nos levou para o andar de baixo para a sala com as poltronas de veludo verde e a TV. Havia uma bandeja de sobremesa colocada ao lado de cada poltrona. O vídeo de 24 minutos era tão sangrento como prometido. O prefeito, sentado ao lado da tela, fez comentários sobre o video enquanto ele passava. Em um certo momento, ele nos contou que havia aparecido na televisão 18 vezes na noite do golpe fracassado. Depois do vídeo, ele nos contou sua teoria sobre o ex presidente americano Barack Obama e a candidata do Partido Democrático de 2016, Hillary Clinton, terem criado o ISIS. Mehul Srivastava, um repórter do Financial Times baseado em Istambul que está familiarizado com o estilo de Gokcek, queria ter certeza que os outros jornalistas entendessem por completo com o que eles estavam lidando.

“Você poderia nos explicar sua teoria sobre os terremotos?” perguntou Srivastava ao prefeito.

“Com certeza, eu ficaria feliz em responder isso”, disse Gokcek. “Existem dois tipos de terremotos na Turquia. Os comuns que acontecem espontaneamente, e os outros que são provocados”. De acordo com o Gokcek, os EUA e Israel haviam colaborado para “provocar” um terremoto de magnitude 7,4 no Golfo ao navegarem até uma falha costeira e tentarem extrair energia. “Eles não conseguiram, e assim como uma bomba atômica, a energia dentro do chão explodiu e transformou-se em um terremoto”, disse ele. Não há evidências de uma ocorrência como essa. O prefeito também sugeriu que Gulen e seus seguidores criaram um terremoto com o objetivo de desestabilizar a Turquia.

Gokcek disse que consegue suas informações na Internet. “Eu tenho o maior serviço de inteligência no mundo: o Google”, disse o prefeito. “Você consegue encontrar qualquer coisa no Google. Na Turquia, eu sou a pessoa que usa o Google da melhor forma … Eu gostaria de agradecer o Google”.

Sharon, relações públicas de Washington, começou a respirar forte.

Entrevistamos Yildirim, o primeiro-ministro, no dia seguinte.

No final do encontro que durou uma hora, Gardiner Harris do The New York Times agradeceu a Yildirim pelo seu tempo e perguntou se ele estava sabendo que também nos tinham prometido entrevistas com Erdogan e outras autoridades governamentais superiores.

O primeiro-ministro pareceu surpreso. Haviam pedido a ele para se encontrar conosco dois dias antes, disse ele.

No final, ouvimos a Simsek e ao Ministro da Justiça Bekir Bozdag, e do porta-voz de Erdogan, Ibrahim Kalin. O encontro com o ministro da justiça, contou-nos Sayiner, foi organizado às pressas devido a um pedido do gabinete do Primeiro-Ministro Yildirim.

As autoridades turcas disseram o que esperávamos que diriam. Eles defenderam a repressão pós-golpe feita pelo governo turco e disseram que haviam sido julgados injustamente e abandonados pelos EUA logo após a violenta tentativa de derrubar o governo eleito democraticamente.

Muitas de suas mágoas eram compreensíveis: Os curdos da Síria que são armados e treinados pelos EUA para lutarem contra o ISIS possuem laços com o PKK – um grupo acusado de vários ataques e atentados contra tropas turcas, incluindo um atentado suicida a bomba no ano passado que matou 11 policiais. Eles argumentaram que Washington deveria acreditar na palavra deles quando se trata de Gulen. Quando o ex presidente George W. Bush disse que Osama bin Laden estava por detrás dos atentados de 11 de setembro de 2001, “Nós não dissemos nos mostre as provas do crime”, disse Simsek. “Nós enviamos o osso exército turco para o Afeganistão para lutar”.

Todos esses argumentos pareceriam mais convincentes vindo do próprio Erdogan em um cenário onde os repórteres poderiam questioná-lo diretamente. Em vez disso, escutamos dos subordinados do presidente – e de um teorista da consporação que alega que Obama literalmente criou o ISIS.

Parecia que estávamos em casa.

Jessica Schulberg

Fonte: www.huffpostbrasil.com

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