Gulen não ordenou o golpe na Turquia, dizem espiões da UE
O clérigo exilado Fethullah Gulen não ordenou o golpe na Turquia, diz um documento vazado dos serviços de inteligência da União Europeia (UE).
O documento, escrito pela unidade de compartilhamento de inteligência da UE, o Intcen, também diz que o expurgo pós-golpe dos supostos apoiadores de Gulen liderado pelo presidente Recep Tayyip Erdogan foi projetado para aprofundar ser controle sobre o poder.
As revelações jogam luz sobre a reação da UE ao golpe fracassado, e mostram como as agências de inteligência da Europa consideram Gulen como o “mestre” de um movimento “antissemítico e anticristão”.
Elas também colocam um destaque indesejado sobre o Intcen.
“É provável que um grupo de autoridades composto de gulenistas, kemalistas, oponentes do AKP e oportunistas estava por detrás do golpe. É improvável que o próprio Gulen tenha desemprenhado algum papel nisso tudo”, dizia o documento.
“É improvável que Gulen realmente teve a capacidade para tomar uma medida como essa”.
Os kemalistas são turcos secularistas que se opõem às visões islamistas do partido político de Erdogan, o AKP.
O relatório de inteligência da UE dizia que indivíduos militares gulenistas, que não tinham patentes acima de tenente ou capitão, podem ter se sentido “sob pressão” para se juntarem à tentativa de golpe em julho de 2016 porque eles sabiam que Erdogan havia planejado ir atrás deles em agosto daquele ano.
O relatório dizia que seu “expurgo iminente” teria feito eles serem processados por ofensas de terrorismo.
O relatório dizia que Erdogan estava tentando desmantelar o movimento Gulen na Turquia porque ele era o seu “único rival real” em sua tentativa de governar o país via “um sistema presidencial completo”.
O relatório também dizia que Erdogan “explorou” o golpe para lançar uma “campanha repressiva mais ampla contra os oponentes do AKP” em prol de “ambições pessoais”.
O relatório dizia que a MIT, o serviço de inteligência da Turquia, começou a compilar listas de “indivíduos problemáticos” anos atrás.
O relatório dizia que as listas também continham os nomes de “ativistas civis” que participaram de protestos anti-Erdogan no Parque Gezi, em Istambul, no ano de 2013.
“A enorme onda de prisões nos dias que seguiram a tentativa de golpe já estava previamente preparada. O golpe foi apenas um catalisador para a repressão preparada de antemão”, dizia o relatório da inteligência.
UE morna
O Intcen é uma divisão do serviço dos negócios estrangeiros da UE em que agentes de inteligência destacados, de estados da UE, compartilham informações.
Ele apresentou o relatório de seis páginas, intitulado “Turquia – O Impacto do Movimento Gulenista”, em 24 de agosto do ano passado a oficiais da UE e a embaixadores dos estados-membros em Bruxelas.
O documento sigiloso foi descoberto primeiro pelo The Times, um jornal britânico, na terça-feira (17 de janeiro de 2016).
Os pontos de vista no documento vazado, também visto pelo EUobserver, foram repetidos quase palavra por palavra por Johannes Hahn, o comissário da UE lidando com a Turquia, em sua reação ao golpe.
Ele disse na época que o golpe parecia “com algo que havia sido preparado. Que as listas [de supostos gulenistas] estavam disponíveis [tão cedo] depois dos eventos indica que isso tudo foi preparado e que a um certo momento deve ser usado”.
Declarações subsequentes da UE também foram mornas quanto a Erdogan.
O bloco clamou por restrições, especialmente quando o expurgo de Erdogan se espalhou para membros do parlamento e a mídia, incitando respostas furiosas do presidente turco.
O mestre
O vazamento da UE aparece em uma época em que a Turquia está pedindo aos EUA que extraditem Gulen.
Apesar de o relatório de inteligência ter exonerado Gulen quanto ao golpe, não o pintou em uma luz favorável.
O relatório dizia que ensinamentos publicados em seu nome “na superfície … propagam tolerância”, mas “ao mesmo tempo, eruditos islâmicos peritos no uso da língua e símbolos reconhecem que eles são expressamente antissemíticos e anticristãos”.
O relatório dizia que Gulen era o “mestre” de uma estrutura “mundial” que possuía filiais em cerca de 100 países na Europa, América do Norte e do Sul, Ásia e África.
O relatório dizia que suas “ordens” foram “aplicadas” por “imãs especiais” e por seguidores “convictos” que “infiltraram” instituições estatais.
O relatório dizia que os gulenistas possuíam 160 escolas de elite por todo o mundo onde eles preparavam alunos.
Efeitos do vazamento
O vazamento é uma vergonha para o serviço de negócios estrangeiros da UE em uma época em que ela está tentando galvanizar a cooperação de segurança da UE.
O relatório da Intcen foi marcado como “confidencial”, significando que, na própria literatura da UE, que poderia suscitar “queixa formal ou outras sanções” por países que não sejam da UE e “danificar operações de segurança ou inteligência” da UE, se viesse a público.
O relatório não revelou suas fontes, mas foi marcado como “não publicável e para não ser divulgado a terceiros estados e organizações internacionais”.
A intenção era que o relatório fosse enviado via canais criptografados ou mantido no papel em “condições seguras”.
Sua divulgação poderia prejudicar as relações entre a UE e a Turquia e entre os EUA e a Turquia em uma época em que Erdogan está construindo laços mais próximos com a Rússia.
A divulgação poderia prejudicar também a Intcen, se estados-membros pararem de confiar no gabinete da UE para manter seus segredos.
Andrew Rettman
Fonte: www.euobserver.com