Porque a Turquia está me acusando de tramar um golpe?
Na noite de 15 de julho, elementos dos militares turcos tentaram dar um golpe. Foi um esforço mal organizado que derrotado por uma combinação de poder popular, unidades leais e serendipidade. O que fez desse esforça fracassado notável foi a extrema brutalidade dos golpistas contra civis que resistiram ou calharam de estar no caminho deles. Cerca de 240 pessoas foram mortas.
Eu estava na Turquia na época, dando um workshop em Buyukada, uma ilha que fica a 45 minutos de balsa de Istambul. O workshop, que havia sido planejado meses antes em conjunção com um think tank de Istambul, reuniu um pequeno número de peritos para discutirem as relações do Irã com seus vizinhos. Reuniões acadêmicas como essas são importantes para o meu trabalho, mas suspeito que a maioria das pessoas acharia que o workshop foi bem chato.
Algumas pessoas na Turquia, contudo, viram algo bem mais nefasto. Eles pensaram que eu estava por detrás do motim.
Logo depois que o golpe foi derrotado, meus colegas e eu viramos os alvos de teorias da conspiração sensacionalistas promulgadas pela imprensa pró-governo da Turquia. As acusações foram de organizar o golpe em nome da CIA a estabelecer canais de comunicação para os golpistas e, mais implausivelmente, trazer um assassino condenado da Califórnia para a Turquia para que cometesse atos maléficos.
A tentativa de golpe parece ter sido realizada por uma coalizão feita de uma miscelânea de oficiais: alguns leais a Fethullah Gulen, um clérigo recluso que vive na Pensilvânia e que já foi um aliado do partido governante mas que agora é o seu mais ferrenho inimigo, juntamente a rígidos secularistas e alguns outros oportunistas que provavelmente sabiam que em breve seriam dispensados do exército. (Nota do editor: Gulen nega qualquer envolvimento a tentativa de golpe. Até o momento não há nenhuma evidência concreta para provar isto. A interpretação do autor deste artigo está baseada apenas às acusações levantadas pelo governo.)
O povo turco rejeitou a ameaça a sua ordem constitucional. Mas nas semanas desde então, o Presidente Recep Tayyip Erdogan explorou o trauma da tentativa de golpe para reformular o estado e suas instituições. Conforme milhões se reunirão a seu lado, ele começou a implementar políticas que já estavam há muito tempo sendo arquitetadas, especialmente expurgar o Serviço Público. O expurgo é apenas o primeiro passo: o verdadeiro alvo é mudar a Constituição e criar um sistema presidencial com pesos e contrapesos fracos, permitindo ao Sr. Erdogan governar incontestado.
As relações Estados Unidos-Turquia estão entre as fatalidades do golpe fracassado. A relação turco-americana que já existe há décadas é baseada em mais do que apenas a filiação à OTAN. Ela se faz estratégica por uma variedade de transações em quase toda arena imaginável, do meio-ambiente à pesquisa científica, trocas culturais e educacionais e laços comerciais importantes.
Tudo isso está em situação de risco agora.
A sociedade turca já há muito tempo tem estado mergulhada em teorias da conspiração, mas a ampla fomentação de antiamericanismo hoje em dia é sem precedentes. As acusações direcionadas a mim e aos outros participantes de nosso workshop – na ausência de quaisquer evidências – são tentativas cínicas de culpar Washington e intimidar os Estados Unidos para que extradite o Sr. Gulen, e talvez até forçar ele a abandonar seu apoio aos curdos da Síria na luta contra o Estado Islâmico.
O que é mais perturbador é que os ataques contra mim e outros acadêmicos parecem ter sido instigados pelo governo. Os jornais revelam detalhes que apenas os serviços de segurança turcos poderiam ter tido acesso, tais como a hora exata que cruzei o controle de passaportes ao entrar e sair de Istambul. Alguns de nossos colegas turcos já estiveram sujeitos a uma retribuição injusta – foram suspendidos de seus empregos ou chamados para um interrogatório. Todos os participantes de nossa conferência tiveram suas reputações injustamente manchadas na Turquia e na região. Abuso e ameaças têm chovido pelas mídias sociais.
Mas além desses pequenos ataques está uma questão mais importante. A imprensa turca, que é quase que totalmente controlada ou influenciada pelo governo, veio a caracterizar os Estados Unidos como o principal inimigo da Turquia. O governo parece não entender as consequências de longo prazo disso.
Preocupado com a segurança de seus cidadãos, o governo dos Estados Unidos já anunciou uma suspensão de um ano das bolsas de ensino da Fullbright para a Turquia. Em breve, a sociedade civil pagará um preço, também, conforme oportunidades para diálogo e espaço para análise e crítica honestas, sem mencionar a confiança dos negócios internacionais, diminuírem.
A administração de Obama claramente espera que uma diplomacia discreta e o tempo irão de alguma forma fazer as coisas voltarem ao normal. Ao lidar com a Turquia, um aliado difícil suscetível a rajadas de emoção, a opção reserva de Washington sempre foi oferecer a outra face. Mas isso não vai funcionar na atmosfera atual de histeria calculada.
Na semana passada, o Vice Presidente Joseph R. Biden Jr. foi a Ancara, a capital da Turquia, em uma tentativa de apaziguar o Sr. Erdogan e seu governo. Parece ter sido um esforço inútil. No mesmo dia que o vice presidente chegou, o exército turco fez uma incursão na Síria, onde agora está lutando contra forças curdas apoiadas pelos americanos. As teorias antiamericanas continuam.
Existe outra oportunidade chegando. O Presidente Obama se encontrará no domingo com o presidente turco. O Sr. Obama é o único agente americano que ainda tem algum peso na Turquia. Quando ele conversar com o Sr. Erdogan, ele deve abordar preocupações turcas genuínas quanto à tentativa de golpe. Mas ele deve também usar a oportunidade para forçosamente – e publicamente – exigir um fim aos ataques contra os EUA antes que seja tarde demais.
Henri J. Barkey
Fonte: www.nytimes.com