Putin recebe presente de reconciliação de Erdogan
Em seu encontro para concertar as relações com seu colega russo, Vladimir Putin, na semana passada, o Presidente Recep Tayyip Erdogan fez um gesto multibilionário para ajudar a superar a crise causada pelo abatimento de um caça russo em novembro. O gesto, estimado em não menos que 8 biliões de dólares, diz respeito à usina nuclear que os russos estão construindo em Akkuyu, no sul da Turquia.
Logo após o encontro de 9 de agosto em São Petersburgo, os órgãos de mídia turcos, especialmente os pró-governo, abandonaram suas retóricas anti-Rússia e anti-Putin para celebrarem uma “grande vitória” para os laços bilaterais. Nem todos, no entanto, estavam eufóricos. Hakan Aksay, um correspondente veterano em Moscou para a imprensa turca, comentou que a confiança de Putin em Erdogan tinha sido permanentemente danificada e fez a seguinte observação: “Em nome dos interesses do estado [russo], Putin poderia muito bem iniciar uma nova ‘era de amizade e cooperação’ com Erdogan, o homem que ele acusou de ‘esfaqueá-lo pelas costas’ no passado. E na verdade, ele fez isso. Mas ele não chamou Erdogan de ‘amigo’. Erdogan repetidamente se referiu a Putin como ‘um amigo’ ou ‘meu querido amigo Vladimir’ mas não chegou a receber uma resposta semelhante”.
Ambos os líderes expressaram um desejo de restaurar e até elevar o nível pré-crise dos laços bilaterais. Erdogan reiterou a meta de 100 biliões de dólares para o comércio bilateral. Putin, apesar de fazer declarações similares, que falou de esforços passo-a-passo ao longo do tempo, disse que um plano de médio prazo deveria ser delineado para o período de 2016 a 2019 e pediu garantias de segurança para os turistas russos. Em outras palavras, Erdogan estava dizendo “Vamos acelerar isso”, ao que Putin respondeu “Espera aí, não tão rápido assim”.
Erdogan e a Turquia acabaram com duas grandes contas para dar andamento ao processo de normalização – uma material e outra moral. A carta de desculpas de Erdogan a Putin em junho foi o preço moral para fazer as pazes. Em São Petersburgo, Erdogan jurou pagar também um preço financeiro pesado ao prometer colocar a usina nuclear de Akkuyu no escopo dos investimentos estratégicos, uma categoria que vem com muitas guloseimas financeiras. Em 2013, quando o acordo da usina foi assinado, os Russos não pediram privilégios ou incentivos especiais; apenas queriam vencer a oferta. Agora, uma Turquia muito mais fraca ofereceu ela mesma privilégios em uma bandeja de prata para reconquistar corações russos.
Em declarações a jornalistas que o acompanhavam no voo de volta à Turquia, Erdogan delineou um plano de ação de 11 pontos, no qual o status de “investimento estratégico” prometido à usina de Akkuyu ficou no topo da lista.
A usina, que Erdogan falou custar 22 biliões de dólares, terá uma capacidade de 4.800 megawatts, gerando 16% do total de produção de energia da Turquia. Sob o modelo construir-operar-tranferir usado no acordo, a gigante da energia nuclear estatal russa Rosatom assumiu todo o financiamento do investimento, enquanto a Turquia garantiu comprar toda a eletricidade que a usina produziria. A Rosatom assumiu também o treinamento dos engenheiros nucleares e físicos e dos mais de 200 outros financiários qualificados a serem empregados na usina.
Logo após a crise do caça, o trabalho de construção em Akkuyu mudou para um modo de espera. Pouco antes da crise, funcionários do governo tinham dito que a primeira unidade ficaria operacional em 2022, em vez de 2019 como planejado inicialmente, e disse que 3 biliões de dólares tinham sido investidos no projeto.
Se espera agora que ações regulatórias rápidas sigam a promessa de Erdogan a Putin de ir de encontro com as expectativas russas. O rótulo de “investimento estratégico” se traduziria em significantes incentivos financeiros e apoio do governo turco, compensando por quaisquer danos russos.
De acordo com o site do Ministro da Economia turco, a província de Mersin, onde a usina nuclear está sendo construída, fica na Zona 3 nas seis zonas que Ancara designou para incentivos de investimento. Quando se trata de “investimentos estratégicos”, o ministro oferece uma lista ampla de incentivos, em sua maioria isenção de impostos e taxas alfandegárias.
Da mesma forma, a usina nuclear de Akkuyu estaria isenta dos 18% de impostos adicionados em todos os estágios de investimento e operação uma vez que se torne oficialmente um “investimento estratégico”. Isso significa que Ancara deixa de ganhar uma receita de 3,96 biliões de dólares, a porção de 18% dos 22 biliões que os russos investiriam na usina. Similarmente, todo o maquinário e equipamento a ser importado para a usina estaria isento das taxas alfandegárias, barrando uma porção de 8 milhões de dólares que deve ser fornecida localmente.
A empresa estaria intitulada a um desconto de 90% nos impostos corporativos durante os estágios de investimento e operacional. O tesouro turco pagaria por sete anos a participação dos empregadores na bonificação da previdência social de todos os presentes e futuros funcionários da empresa, que se espera que chegue ao número de 15.000 uma vez que o projeto esteja completo. A Rosatom receberia “sem cobrança” o terreno onde o investimento for feito e outros terrenos que possam ser necessários no futuro. Os 18% de impostos arrecadados sobre os prédios e outras estruturas construídas nas premissas da usina seriam devolvidos à empresa.
Outra forma significante de apoio diz respeito à devolução de empréstimos que a Akkuyu Nuclear, a empresa que a Rosatom montou na Turquia, usaria para a usina. De acordo com isso, o tesou turco pagaria respectivamente as porções e 5 pontos e de 2 pontos de pagamentos de taxas de juros sobre empréstimos de bancos turcos e estrangeiros.
Somando, todos esses incentivos e apoios financeiros – isto é, o preço do presente do gesto de reconciliação de Erdogan – alcançariam cerca de 8 a 9 biliões, uma vez que o projeto se torne completamente operacional.
Tudo isso se torna uma coisa fácil para a Rússia, dadas as dificuldades que ela tem enfrentado ao financiar o projeto durante a queda nos preços do petróleo e do gás natural desde que o acordo foi assinado. Com eu gesto a Putin, Erdogan está, de fato, forçando quase metade do custo do projeto sobre a Turquia, em cima da garantia de comprar toda a eletricidade que a usina produziria.
A Rússia, por sua vez, jura responder passo-a-passo e ao longo do tempo. Com a retomada de voos fretados atrasada para setembro ou outubro, as esperanças fixadas nos turistas russos parecem estarem adiadas para o ano que vem. E se Moscou fizer as mesmas exigências de segurança que fez para o Egito, isso pode resultar em peritos russos inspecionando aeroportos turcos.
Fonte: www.al-monitor.com