Paquistaneses não cedem a Erdogan
A Turquia pediu ao Paquistão que reprimisse as instituições dirigidas pelo clérigo radicado nos EUA Fethullah Gulen, que Ancara acredita estar por detrás da tentativa de golpe fracassada contra o Presidente Erdogan. Mas muitos paquistaneses não querem seguir por essa linha.
A Turquia aumentou a pressão sobre seus aliados para que agissem contra organizações dirigidas por Fethullah Gulen, o líder religioso radicado nos EUA acusado de ser o mentor da tentativa de golpe militar fracassada contra o Presidente Erdogan na semana passada.
Sadik Babur Girgin, embaixador da Turquia em Islamabad, pediu explicitamente aos funcionários paquistaneses que acabassem com essas organizações em seu país.
Existem 28 instituições no Paquistão administradas pela Fundação PakTurk de Gulen, que também planeja abrir uma universidade no país. Operando naquele país há décadas, o movimento Gulen também possui participações comerciais no Paquistão.
“Convocamos todos os países amigos a impedirem as atividades desse grupo (do Gulen)”, disse Girgin disse em uma coletiva de imprensa em 23 de julho na capital paquistanesa de Islamabad. Ele ressaltou que a Turquia tinha um contato próximo com as autoridades Paquistanesas, ainda dizendo que “tivemos uma boa cooperação com o Paquistão em todas as áreas”.
Um funcionário paquistanês disse que o governo estava contemplando “várias opções” para lidar com a situação.
“Apesar de não termos recebido uma pedido formal de Ancara ainda (a respeito das instituições educacionais dirigidas pela Fundação PakTurk), as profundas relações com a Turquia exigem que não procuremos por formalidades (de pedidos por escrito) e removamos as preocupações de Acara com prioridade a todos os custos”, é o que jornal paquistanês Dawn afirma que o oficial falou.
Um enigma político
Mas os especialistas dizem que não será fácil para as autoridades fecharem as instituições dirigidas por Gulen.
Sattar Khan, correspondente em Islamabad da DW, diz que os estudantes da rede de escolas PakTurk e os funcionários das instituições administradas pela organização juraram protestar contra qualquer ação do governo contra eles.
“O governo não nos deu qualquer notificação de que planeja fechar nossas escolas. Estamos trabalhando normalmente”, um funcionário da rede de escolas PakTurk contou à DW sob a condição de permanecer anônimo.
O funcionário também negou quaisquer ligações diretas com Gulen. “Existem muitos turcos vivendo no Paquistão. Eles são todos seguidores de Gulen?” o funcionário questionou. “Temos uma equipe de cerca de 1.500 pessoas no Paquistão, e mais de 8.000 alunos estão estudando em nossos 22 campi por todo o país”.
Tauseef Ahmed, um analista político e antigo professor da Universidade Urdu Federal de Islamabad, acredita que fechar as instituições ligadas a Gulen poderia criar problemas políticos para o governo do Primeiro-Ministro Nawaz Sharif.
“Acho que o governo provavelmente tomará uma atitude pragmática apesar de suas ligações próximas com o governo de Erdogan. Tenho certeza que o governo turco compreenderá as preocupações do Paquistão. Afinal, o governo Erdogan também é pragmático”, contou Ahmed à DW.
Imran Khan, jogador de críquete que virou parlamentar, também indicou que seu partido de oposição Tehreek-e-Insaf (Movimento para a Justiça) se oporia ao fechamento das escolas PakTurk. Fontes alegam que Khan possui participações na fundação PakTurk.
Resistência ao autoritarismo
Os proponentes no Paquistão do secularismo estão bravos com as exigências de Ancara quanto a reprimir as instituições Gulen. Eles também se opõem às ligações próximas do Primeiro-Ministro Sharif com o Presidente Erdogan.
Os ativistas do país islâmico acreditam que Erdogan esteja usando a tentativa de golpe fracassada para impôr seu regime autoritário na Turquia. Eles dizem que Ancara estão reprimindo dissidentes, ativistas seculares e curdos e jornalistas, e que ele introduziu leis antiterrorismo controversas – algo que, dizem, é um mal exemplo para o aliado da Turquia, o Paquistão.
Alguns dizem que os paquistaneses podem compartilhar algumas coisas com o povo turco de sua experiência desastrosa com o islamismo.
A ascensão do extremismo islâmico na Turquia como um resultado do conflito sírio e de como o Presidente Erdogan está usando a guerra para silenciar a dissidência contra seu regime autoritário e esmagar os separatistas curdos são alguns dos fatores que provavelmente darão forma ao futuro da Turquia. O Paquistão passou por uma transformação similar nos anos 80 e ainda está batalhando para sair dela.
A guerra afegã dos anos 80 mudou dramaticamente a paisagem política do Paquistão. Como Ancara, Islamabad decidiu se tornar um partido para a guerra a pedido do Ocidente para alcançar seus próprios objetivos estratégicos – expandir sua área de operação no Afeganistão para rebater a influência indiana.
E também, como Erdogan, o antigo ditador paquistanês Zia ul-Haq promoveu uma ideologia islâmica linha dura em seu país e reprimiu grupos e ativistas políticos liberais. Ele esperava que o Ocidente fingisse não ver as graves violações dos direitos humanos no Paquistão, pois acreditava que estava fazendo um favor para os EUA ao lutar sua guerra no Afeganistão.
Michael Kugelman, um perito no sul da Ásia do Centro para Acadêmicos Woodrow Wilson, acredita ser arriscado comparar a Turquia com o Paquistão do regime de Zia ul-Haq, pois existem muitas diferenças em suas situações. Mas ele ressaltou que existem muitas convergências marcantes também: “A principal é a dinâmica volátil generalizada – um governo do tipo homem-forte presidindo sobre um ambiente de crescente instabilidade e ameaças terroristas. Existe também um nível de islamização que vai se aprofundando na Turquia hoje em dia que traz semelhanças inquietantes com o que aconteceu no Paquistão nos anos 80”, disse Kugelman.
Ativistas liberais paquistaneses dizem que Islamabad não deve encorajar Erdogan ao ceder às exigências ilegais e autoritárias de seu governo. A promoção de valores seculares e democráticos é o único caminho para avançar, dizem eles.
Sattar Khan
Fonte: www.dw.com