O golpe em câmera lenta de Erdogan!
As consequências da tentativa de golpe na Turquia serão sangrentas e repressivas
Pelos últimos três anos, o presidente turco tem se preparado metodicamente para tomar os centros de poder.
O que acontece na Turquia importa. Ela é uma economia dos G20 em uma parte sensível do mundo, compartilhando fronteiras com o Iraque, Irã e Síria. A Turquia é um trunfo para seus parceiros da OTAN quando consegue exercer um papel de liderança. Ela poder ser um risco quando seus próprios problemas – como a tensão com sua população curda – transborda por essas fronteiras. Ela pode ser uma pedra de moinho em volta do pescoço do mundo quando decide, como fez na sexta-feira, fazer mal a si mesma.
A tentativa de golpe naquela noite foi, unanimemente, um negócio desajeitado. Foi uma tentativa de agarrar as rédeas de uma sociedade complexa com táticas pitorescamente antediluvianas de tomarem uma televisão estatal e avançarem com alguns tanques sobre as ruas. É como se os conspiradores nunca tivessem ouvido falar das mídias sociais, enquanto que o próprio presidente turco se dirigiu aos seus apoiadores através do aplicativo de conversas por vídeo no celular FaceTime, urgindo-os a saírem às ruas. As multidões jogaram um jogo de desafio e coragem com os golpistas, apostando que retornariam aos seus quartéis em vez de ver as ruas pintadas de vermelho sangue. Mesmo assim, ao menos 180 pessoas – civis, policiais e golpistas – morreram.
De fato, a pergunta é menos porque o golpe falhou e mais porque foi sequer executado. Se ele tinha um ar de desespero amador, é porque seus perpetradores provavelmente presumiram que essa era a última chance deles de impedir que o governo do Presidente Recep Tayyip Erdogan tomasse completamente o controle sobre os militares. No começo de agosto, o alto concelho dos militares irá se reunir, como faz todo ano, para considerar quem é promovido, aposentado ou afastado. Nos últimos poucos dias, a imprensa pró-governo tem mais do que indicado que uma limpeza das hierarquias está há muito tempo atrasada.
De fato, muitos argumentariam que a Turquia já estava passando pelas agitações de um golpe de estado em câmera lenta, não dos militares mas do próprio Erdogan. Nos últimos três anos, ele tem se organizado, metodicamente, para tomar os centros de poder.
As pressões sobre a mídia tem sido bem documentadas, conforme o país escorrega nas avaliações internacionais por organizações tais como a Freedom House, de parcialmente livre para totalmente não livre. Jornais da oposição foram tomados por administradores nomeados pelos tribunais. Estações de televisão dissidentes foram desligadas dos satélites; plataformas digitais não são mais vistas nas casas das pessoas. Erdogan xinga a própria mídia social que nesse fim de semana ajudou salvar sua pele.
Cada vez mais, o governo tem posto o judiciário sob seu jugo. Um juiz agora tem que ser corajoso para sentenciar de uma forma que saiba que resultará em ofensa oficial. Portanto, enquanto que o parlamento turco se parabenizou por uma longa noite de defesa da democracia, muitos se perguntam porque seus membros foram coniventes com o declínio do estado de direito.
E ainda assim Erdogan almeja maior autoridade. Em maio passado, ele descartou um primeiro-ministro em favor de outro mais simpático aos seus planos de mudar o sistema parlamentarista para uma forte presidência executiva. Quando os conspiradores do golpe passarem por julgamento, podem sofrer a indignação adicional de verem suas tentativas de colocar Erdogan em seu lugar sair pela culatra, ao fornecer um mandato para esses poderes aumentados. O presidente já prometeu expurgar aqueles ainda ligados ao clérigo dissidente exilado Fethullah Gulen – jargão do Erdogan para qualquer um que se oponha a sua vontade.
Para o mundo de fora, esse espetáculo deve causar consternação. As ambições turcas de projetar poder, ajudar na luta contra o Estado Islâmico e em forjar um acordo na Síria serão muito mais difíceis de se realizarem se o governo estiver em guerra com seus próprios militares e o exército em guerra consigo mesmo. Uma Turquia que governe pelo consenso é o aliado mais valioso. A economia turca, também, será mais dinâmica se aliviada do peso do risco politico.
A lição do golpe que falhou é que a Turquia precisa de um líder que possa juntar os diferentes lados de uma sociedade dividida – ou no mínimo, alguém que esteja disposto a tentar.
Andrew Finkel
Fonte: www.theguardian.com