As prioridades de Erdogan
Apesar de seu país ter sofrido mais um ataque terrorista, o presidente a luta contra o Estado Islâmico não está entre suas prioridades
Os americanos, que lideram a coalizão ocidental contra o grupo terrorista Estado Islâmico (EI) na Síria e no Iraque, esperam que o atentado ocorrido no aeroporto internacional de Istambul, em 27 de junho, tenha ao menos uma consequência positiva: obrigue o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, a tornar a luta contra o terrorismo islâmico uma prioridade. Mas o desfecho é improvável. O país já sofreu ataques que deixaram cerca de 200 mortos no ano passado sem que sua agenda fosse alterada. Erdogan está mais preocupado em acumular poderes e combater opositores no próprio território. Aproveitando-se da importância crescente que a Turquia ganhou na esfera internacional, tanto para conter os refugiados em direção à Europa como para sediar os caças em operação na Síria, Erdogan age livremente, com a cumplicidade dos líderes mundiais. O fato de o EI não assumir publicamente a autoria dos ataques coloca ainda mais faísca no barril de pólvora. “A Turquia está à beira de uma guerra civil. Já são as Forças Armadas que governam o país, e há rumores de que alevitas (minoria xiita) e curdos estão comprando armas para se defender”, diz o cientista político turco Ihsan Yilmaz, da Universidade Deakin, na Austrália.
Na noite de terça-feira, 28, três terroristas chegaram de táxi e forçaram a entrada no aeroporto Ataturk, de Istambul. Sem conseguirem entrar, tiraram fuzis das malas e começaram a atirar contra os guardas e vários civis. Depois, explodiram as bombas que traziam junto ao corpo, matando mais de quarenta pessoas de dez nacionalidades. Os três terroristas eram da Rússia, Uzbequistão e Quirguistão, e tinham chegado à Turquia um mês antes, vindos da cidade síria de Raqqa, a capital do EI. De lá, trouxeram os coletes e explosivos usados na ação. Estima-se entre 2000 e 7000 o número de combatentes da ex-União Soviética que engrossam as fileiras do EI. São de lá os melhores atiradores e os membros de unidades mais violentas do grupo.
Os terroristas muçulmanos de regiões da ex-União Soviética são um problema para o presidente russo Vladimir Putin e para Erdogan. Ambos poderiam se beneficiar do compartilhamento de informações. Mas a amizade entre eles tem motivos mais fortes. Ao ter negada a entrada da Turquia na União Europeia, Erdogan começou a se distanciar das democracias ocidentais e a se aproximar do capitalismo camarada de Putin. Com os atentados, Erdogan ficou até mais forte. Os votos para o seu partido, o AKP, já subiram 10% desde o início da nova onda de terrorismo. Com o autoritarismo de Erdogan, a tensão na Turquia só tende a crescer.
NATHALIA WATKINS
Fonte: Revista Veja de 6 de julho de 2016 veja.abril.com.br