Erdogan e o caos na Turquia
O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, não é o responsável pelo atentado no aeroporto em Istambul. Inclusive, o líder turco claramente era um dos alvos indiretos da ação. Mas Erdogan tem enorme responsabilidade pela atual situação da Turquia, palco de ataques terroristas do ISIS, também conhecido como Grupo Estado Islâmico ou Deash, e também da organização separatista curda PKK.
No começo da Guerra da Síria, Erdogan rompeu com seu antigo aliado Bashar al Assad e decidiu apoiar os rebeldes da oposição. Na minha avaliação, um equívoco. Mas havia argumentos neste sentido desde que Erdogan se focasse nos rebeldes supostamente moderados, o que ele até fez. O problema é que, além disso, o líder da Turquia permitiu que jihadistas do mundo todo usassem o território turco para cruzar a fronteira para a Síria e lutar na Guerra Civil. Muitos deles acabaram no ISIS ou em seu rival, a Frente Nusrah, como é conhecida a Al Qaeda na Síria. Estas organizações, que são inimigas entre si, lutam não apenas contra Assad, como também contra os rebeldes moderados.
No caso dos curdos, Erdogan, por questões de política doméstica, rompeu o cessar-fogo e voltou a alvejar o PKK, que, convenhamos, está longe de ser “bonzinho”. O líder turco, com uma certa razão, ficou insatisfeito com o apoio dos EUA ao YPG, como é conhecido o braço do PKK na Síria. Já pensou se os americanos dessem apoio ao Hezbollah só porque a organização libanesa luta contra o ISIS? Certamente irritaria Israel. O mesmo vale para a Turquia, membro da OTAN, em relação ao PKK. O PKK está para os turcos como o Hezbollah ou o Hamas está para os israelenses.
Para completar, no ano passado, finalmente Erdogan decidiu se envolver claramente na coalizão para combater o ISIS. O grupo, claro, se sentiu traído pelo líder turco e começou a atacar também a Turquia, onde tem dezenas ou mesmo centenas de células.
Caso Erdogan tivesse mantido uma neutralidade na Guerra da Síria, como defendiam muitos militares turcos, e não houvesse rompido o processo de paz com os curdos, tenham certeza de que a Turquia estaria estável e seria o ator com maiores condições de mediar um acordo para o fim do conflito.
Em vez disso, Erdogan atraiu a guerra do ISIS para a Turquia e a reascendeu o conflito contra os curdos. Agora, aos poucos, o líder turco tenta arrumar a bagunça que fez. Deverá se focar no ISIS e evitará atritos com a Rússia, principal base de suporte de Assad. Talvez retome as negociações com os curdos. Vamos ver.
Embora Assad e o PKK sejam graves problemas locais, ambos estão longe de serem ameaças globais. Já o ISIS ameaça todo o mundo. Ou você acha que o regime sírio ou o PKK podem cometer um atentado na Olimpíada do Rio? Lógico que não. Mas autoridades de segurança alertam para o risco de um ataque terrorista planejado ou ao menos inspirado pelo ISIS. Neste momento, o foco deve ser em derrotar esta organização terrorista, que não para de perder território e de apanhar no Iraque e na Síria.
Gustavo Chacra
Fonte: internacional.estadao.com.br