O PT turco ou o poder corrompe
Era uma vez um partido (Justiça e Desenvolvimento ou AKP, nas iniciais em turco) considerado modelo para todo o mundo árabe e muçulmano.
Tanto que uma pesquisa da Fundação Turca de Estudos Econômicos mostrou que dois terços dos habitantes de Jordânia, Líbano, Síria, Irã, Iraque e territórios palestinos apontavam a Turquia, governada pelo AKP, como “a melhor síntese entre democracia e religião muçulmana”.
De fato, a Turquia é o único país do mundo muçulmano a combinar democracia com um governo de partido islâmico.
Não era apenas na sua vizinhança que a Turquia do AKP entusiasmava. Escreveu, por exemplo, o “The New York Times”:
“Erdogan foi abraçado pelo Ocidente quando chegou ao poder em 2003. Um reformista deslumbrante e carismático, ele parecia personificar a promessa de que islã e democracia podiam coexistir.”
Esse encantamento, já esgarçado, desfez-se na semana que passou, no momento em que o presidente forçou a saída de Ahmet Davutoglu, que ele próprio havia indicado para substituí-lo quando, encerrados os períodos a que tinha direito como primeiro-ministro, resolveu disputar a Presidência.
Em democracias parlamentaristas, a Presidência tem funções mais cerimoniais que executivas, limitação que o autoritário Erdogan não aceitou.
Passou a fazer campanha pela transformação da Turquia em regime presidencialista, o que não entusiasmou Davutoglu.
Para todos os efeitos práticos, a defenestração de Davotoglu “mostra que Erdogan é chefe de Estado, chefe de governo, chefe do AKP e chefe de tudo na Turquia”, como tuitou Soner Cagaptay, diretor do Programa de Pesquisa sobre a Turquia no Washington Institute for Near East Policy.
É, no mínimo, um feio risco na imagem que Erdogan construiu a partir de sua primeira vitória eleitoral, a de um líder liberal, que fez a Turquia crescer, em média, 5% ao ano nos dez primeiros anos de seu governo.
Ao liberalismo e ao êxito econômico somou-se o lançamento de um processo de paz com os curdos, um povo à procura de um Estado.
Mustafa Akyol, especialista turco, pensa nesses tempos com “nostalgia e arrependimento”, conforme escreveu para o “The New York Times”: “A retórica de abertura liberal deu lugar ao autoritarismo, o processo de paz com os nacionalistas curdos fracassou, a liberdade de imprensa está diminuindo, e os ataques terroristas estão aumentando”.
Parêntesis: a Turquia de Erdogan é o país do mundo que mais está ajudando os refugiados sírios.
O que aconteceu para que Erdogan se transformasse de modelo democrático para seus pares do mundo muçulmano em “chefe de tudo”, o que não é exatamente democrático?
A explicação de Akyol é simples e se aplica quase letra por letra ao PT brasileiro. Confira:
“Uma vez que o partido tomou o poder, seus membros foram tentados, intoxicados e corrompidos por ele. Os quadros e classes que agora se alinham com Erdogan descobriram riqueza, prestígio e glória pela primeira vez em suas vidas. Parecem determinados a não perdê-los –independentemente do que isso signifique para a democracia turca”.
Clóvis Rossi
Fonte: www.folha.com.br