Lei antiterror bloqueia integração plena Turquia-UE
Legislação nacional de Ancara sobre lei antiterror permite até mesmo que governo acuse de terrorismo jornalistas que supostamente insultem líderes
A isenção de vistos para que cidadãos turcos possam viajar pelos países do Espaço Schengen pode estar ameaçada pela escalada da crise política e os embates entre o presidente Recep Tayyip Erdogan e a Comissão Europeia. Na quarta-feira, o organismo europeu acenou com a liberação, mas exigiu, por meio de um relatório, que Ancara mude suas leis anticorrupção e antiterror nas próximas semanas.
A decisão final sobre o tema caberá aos 28 integrantes da UE, mas já na sexta-feira, Erdogan reagiu: “Vamos fazer do nosso jeito; vocês façam do seu”.
O Relatório de Progresso, feito pela Comissão, destaca avanços da Turquia na convergência com os parceiros europeus, mas estabelece medidas concretas que o país precisa adotar para completar as exigências do bloco, como lutar contra a corrupção, proteger dados pessoais, cooperar juridicamente com integrantes do bloco e rever legislações nacionais, explicou uma fonte da UE próxima às discussões.
As condições impostas para o levantamento da necessidade de visto foram, segundo a relatora sobre Turquia do Parlamento Europeu, Kati Piri, as mesmas de outros casos semelhantes. “A liberação de vistos para turcos que queiram transitar pelos demais países da Europa só sera possível se todos os requisitos forem cumpridos. O mesmo critério aplicado à Turquia foi aplicado para outros países. Logo, é positivo que a Comissão Europeia tenha garantido mais tempo para a Turquia resolver suas pendências”, afirmou Piri ao Estado, por meio de nota.
Segundo a fonte da UE, a Turquia tem papel importante na Europa, “é a maior beneficiária do apoio da UE entre os países que não integram o bloco” e, “justamente refletindo sobre a importância do país, a Comissão Europeia aceitou liberar os vistos, sob o entendimento de que as autoridades turcas adotarão os requisitos o quanto antes, como se comprometeram no dia 18 de março.”
A isenção é item essencial do acordo migratório assinado entre UE e Ancara, mas para entrar em vigor o governo turco se comprometeu a cumprir 72 itens. Destes, cinco ainda estão pendentes, segundo a União Europeia; um deles a lei antiterror.
De acordo com a lei turca, processos por ofensa contra o presidente podem ser levados adiante se o Ministério da Justiça autorizar. O Artigo 299 do Código Penal turco prevê pena de mais de 4 anos de prisão se o insulto for publicado na imprensa.
“A legislação antiterror precisa ser ajustada, para que não se confunda com o silêncio de jornalistas no país. A proteção dos dados pessoais também precisa melhorar. Pergunto-me se a Turquia conseguirá atender a esses critérios no próximo mês”, afirma Piri, referindo-se ao prazo de junho para a liberação do visto.
Desde que Erdogan assumiu a presidência, em 2014, o governo abriu 1.845 processos contra pessoas por insultos contra Erdogan. Jornalistas turcos afirmam enfrentar uma das piores perseguições desde os governos da década de 1980.
“A situação dos direitos humanos na Turquia é miserável. Basta ver as restrições à imprensa ou o confronto entre o governo e o PKK. Esse conflito já fez com que mais de 400 mil pessoas deixassem suas casas”, argumenta Piri, em referência também ao embate político entre turcos e curdos no país. O PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) é considerado uma facção terrorista pelo governo de Erdogan e aliados no Ocidente, como os Estados Unidos.
A incerteza sobre a isenção dos vistos aumentou nessa semana após uma briga no Parlamento de Ancara, quando deputados governistas e opositores trocaram socos em razão da aprovação de uma lei.
Com maioria governista, na terça-feira, a Casa aprovou o fim da imunidade parlamentar de deputados processados. A proposta, do partido governista Justiça e Desenvolvimento (AKP), foi feita após Erdogan acusar o Partido Democrático do Povo (HDP) de ser um braço político do PKK e é vista por opositores como uma maneira de processar deputados pró-curdos. A medida ainda precisa ser aprovada em Assembleia.
A crise se intensificou na quinta-feira, quando o primeiro-ministro turco, Ahmet Davutoglu, renunciou ao cargo. Com isso, ampliou-se a continuidade até do acordo migratório – pelo qual a Turquia se comprometeu a receber de volta os migrantes que tinham ido para a Grécia (mais informações nesta página). Além de premiê e atual presidente do AKP, Davutoglu foi o principal negociador do acordo migratório com os líderes europeus. Sua renúncia foi vista por analistas locais como uma porta aberta para Erdogan aumentar os poderes presidenciais em relação ao Parlamento. Um dia depois do anúncio de Davutoglu, Erdogan fez a declaração sobre não mudar a lei antiterror do país.
OS PARTIDOS
AKP (Partido da Justiça e Desenvolvimento)
Fundado em 2001, é um partido islâmico e governa o país desde 2002. Seu estatuto estabelece que o chefe de governo, primeiro-ministro, deve ser também o presidente da legenda. Defende a integração da Turquia à UE
HDP (Partido Democrático do Povo)
Fundado em 2012, apoia a causa curda e o direito de minorias políticas no país. Surgiu principalmente para mudar a divisão turcos-curdos, mas nega ser um braço político do PKK
PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão)
Fundada em 1978, a facção curda luta pelos direitos dos curdos. Desde 1984, faz uso da luta armada pela independência do Curdistão. É considerada organização terrorista pelo governo turco e por aliados como os EUA
Fonte: www.estadao.com.br