Silêncio da UE sobre Turquia vai contra seus valores
O silêncio da União Europeia (UE) em relação aos abusos do governo da Turquia contra liberdade de imprensa se opõe aos valores fundamentais da criação do bloco.
Esse é o protesto de Hidayet Karaca, 52, diretor-executivo da TV turca Samanyolu, uma das maiores do país. Ele está preso há um ano e três meses, acusado de fazer parte de uma “organização terrorista que tenta derrubar a ordem constitucional”.
Yves Herman – 7.mar.2016/Reuters | ||
Manifestantes curdos levam cartaz do presidente Recep Tayyip Erdogan em protesto em Bruxelas |
O motivo da prisão foi uma novela veiculada cinco anos antes. Em um dos capítulos, uma organização islâmica aliada do presidente Recep Tayyip Erdogan era retratada como facção terrorista.
O Comitê de Proteção de Jornalistas chamou a prisão de “vingança política”. A Human Rights Watch afirmou que o governo turco está “deixando jornalistas presos sob acusações dúbias de terrorismo, sem justificativas claras”.
Karaca respondeu às perguntas enviadas pela Folha e entregues por seu advogado, Fikret Duran. Ele escreveu as respostas à mão, de dentro da prisão de segurança máxima Silivri, onde há outros jornalistas presos.
A TV Samanyolu é ligada ao líder religioso Fethullah Gülen, acusado por Erdogan de estabelecer um “governo paralelo” no país através de seus seguidores na polícia e no Judiciário. Gülen nega qualquer intenção de derrubar o governo turco.
Folha – Há 32 jornalistas atualmente na prisão na Turquia e o país é o 154º no ranking de liberdade de imprensa dos Repórteres sem Fronteiras. O que está acontecendo?
Hidayet Karaca – Em dezembro de 2013, ocorreram operações contra corrupção que envolviam quatro ministros e seus filhos.
Depois disso, o AKP [partido do presidente Erdogan] aumentou a pressão sobre a imprensa crítica. Gravações revelaram também que o AKP dominava uma boa parte da mídia com dinheiro das licitações de grandes obras.
O governo nomeou interventores para administrar as empresas da mídia independente. Prendeu os dirigentes que não lhe obedeciam cegamente, e eu sou um deles.
O grupo Ipek, com dois jornais e dois canais de TV, foi tomado pelo governo e depois faliu. Recentemente, o maior jornal turco, “Zaman”, foi tomado pelo governo.
Por todas essas razões, infelizmente, a liberdade de imprensa na Turquia está numa situação complicada. Há uma “caça às bruxas” contra todos que criticam o governo.
Como é sua vida na prisão?
Aqui na prisão, eu leio os jornais logo após o café da manhã. Reservo algumas horas para ler e cumprir minhas obrigações religiosas. Gasto um tempo para fazer minhas anotações e trabalhar sobre meu processo judicial.
A Justiça cita um capítulo de uma novela da TV Samanyolu como razão para sua prisão…
Para entender melhor minha prisão, devem ser consideradas as operações de 2013. O governo afirmou que essas operações foram uma “tentativa de golpe”. O objetivo era criar um inimigo interno e tentar, de todas as formas possíveis, se livrar das acusações legais contra eles.
O grupo que eu dirigia fazia cobertura completa dessas operações. Como consequência, começou a sofrer perseguição. E uma novela do grupo foi apresentada como a razão para me prender.
Na acusação, dizem que, naquela novela, que é ficção, a fala de um ator era uma mensagem para a polícia. E que, a partir dessa mensagem, houve uma operação contra um grupo islâmico.
O senhor acha que a União Europeia deveria condenar de forma mais veemente as prisões de jornalistas e fechamento de jornais na Turquia?
A falta de posicionamento mais enérgico da UE vai contra os valores fundamentais da sua criação. Por causa da candidatura da Turquia a se integrar à UE, as cobranças deveriam ser mais rigorosas.
Can Dündar, editor-chefe do jornal “Cumhuriyet”, foi acusado de espionagem e condenado a prisão perpétua e mais 30 anos. Ele foi libertado por uma decisão da Suprema Corte. Erdogan declarou que não vai respeitar a decisão e os jornalistas serão julgados novamente, e podem ser presos. Como o senhor vê isso?
A posição do presidente é anticonstitucional e está errada, e mostra que os problemas na Turquia vão continuar.
A jornalista viajou a convite do Centro Cultural Brasil-Turquia, ligado à oposição.