Lusco-fusco na Turquia
O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, parece ter decidido acelerar o ritmo da escalada autoritária de seu governo. Na última sexta-feira (4), em mais uma investida sobre garantias típicas das democracias, atacou o que ainda resta de liberdade de imprensa no país.
Sem nenhum pudor, o governo assumiu o controle do jornal “Zaman”, o último grande diário que ainda não se alinhara ao presidente. O golpe veio com uma estranha decisão judicial que, sem nenhuma explicação, apontava um comitê para dirigir o periódico.
Jornalistas e alguns manifestantes até tentaram esboçar reação, mas a sede do jornal logo foi cercada pela polícia, que dispersou os protestos. Em 48 horas, o “Zaman”, sob nova direção, estampava peças de propaganda do governo.
O alvo por trás da tomada do periódico é o clérigo moderado Fethullah Gulen. Considerado ligado ao jornal, ele já foi importante aliado de Erdogan, quando o hoje presidente e seu partido, o AKP, chegaram ao poder, em 2002.
Em 2013, todavia, os dois grupos se afastaram por divergências diversas. Apoiadores de Gulen começaram a ser presos. Por segurança, o clérigo se autoexilou nos EUA.
O episódio “Zaman” está longe de ser um caso isolado. Nos anos recentes, Erdogan pôs na cadeia dezenas de jornalistas e fez com que outros tantos fossem impedidos de escrever, limitando assim o estoque de artigos críticos a sua administração. Cerca de 1.800 pessoas respondem judicialmente pelo delito de “insultar o presidente”.
Paralelamente, Ancara lançou-se numa campanha de perseguição a vários setores da oposição, aos quais acusa de apoiar o terrorismo –acusação que se torna verossímil devido à guerra civil na vizinha Síria e aos eventuais ataques da facção Estado Islâmico e de milícias curdas a território turco.
É pena constatar que a Turquia, até há pouco apontada como modelo de sucesso na constituição de um Estado ao mesmo tempo islâmico e democrático, tenha se transformado num regime autocrático e cada vez mais de exceção.
Sob a batuta de Recep Tayyip Erdogan, o país avança em uma zona cinzenta e perigosa da política, sem que tenham forças as vozes internas que se opõem à marcha.
Tanto pior, sabe-se que a União Europeia, que teria condições de exercer alguma pressão diplomática sobre Ancara, dificilmente o fará. Os europeus, no momento, estão muito mais preocupados em evitar que mais refugiados sírios cheguem ao continente, para o que a cooperação das autoridades turcas resulta essencial.