Erdogan está chantageando os países ocidentais
Para jornalista turco, governos ocidentais deveriam pressionar Ancara pelo fim à perseguição à mídia
Diante das prisões de jornalistas e fechamento de veículos da imprensa turca ligados ao líder opositor Fethullah Gulen, que vive no exterior, a Europa e os EUA deveriam usar seu poder sobre a Turquia e pressionar o presidente Recep Erdogan a respeitar a liberdade de imprensa em seu país. Essa é a opinião do editor-chefe da Turkish Review, Kerim Balci.
Ele está em São Paulo para participar de uma conferência do Centro Brasil-Turquia e conversou com o Estado. Para ele, o governo turco se aproveita da posição estratégica de seu país em relação à crise migratória para tomar medidas autoritárias contra a mídia.
O sr. vive hoje em Londres. Por que deixou a Turquia?
Em novembro, quando o governo venceu a segunda eleição no Parlamento, eu já estava na lista de jornalistas perseguidos. Desde então, estou fora do país. Não existe nenhum mandado judicial de prisão contra mim, por enquanto, mas meu nome vazou à imprensa como um dos jornalistas que seriam presos o mais rapidamente possível. Não sou o único, claro, mas decidi sair porque o governo turco tem apreendido, confiscado veículos da mídia opositora e os convertido em pró-governo. A Turkish (revista) não é opositora, somos um jornal acadêmico, neutro, mas eu não queria ver o governo tentando convertê-la a seu favor.
Quantos nomes de jornalistas estão nessa lista?
São 139. A lista original foi vazada por uma conta anônima no Twitter e continha 50 nomes, mas já havia reclamações de que outros jornalistas estavam presos.
Quantos estão presos hoje?
Eu não sei o número exato, porque também há muitas pessoas que não estão na lista, mas estão presas, por isso, acredito que hoje haja 30 jornalistas na cadeia na Turquia. Meu nome veio como o 3º da lista e os dois primeiros eram o editor-chefe do Zaman Media Group e o outro do (jornal) Today’s Zaman. O governo apreendeu seus passaportes e eles não podem deixar o país. Eu fui o único que tive a sorte de sair da Turquia a tempo. Desde então, tenho falado sobre a situação pelo mundo.
E qual é a situação?
A Turquia é um país pivô na região e sem ela não se pode lutar contra o terrorismo no Oriente Médio. Sem a Turquia, não se pode controlar o fluxo de refugiados para os países ocidentais. A Turquia é uma espécie de primeira casca do Ocidente. Uma vez que se alcança a Europa, se alcança qualquer lugar. Amo meu país e não quero que ele se transforme em uma ditadura, mas acredito que os líderes dos países ocidentais, infelizmente, mesmo com o risco crescente do autoritarismo na Turquia, estão cooperando com o ditador em vez de cooperar com a nação. A Alemanha, especialmente, não tem problema em ver que a Turquia está ficando cada vez mais opressora contra a liberdade de imprensa, de expressão.
A situação favorece o presidente Erdogan?
Sim. Ele está chantageando os países ocidentais. Ele já fez isso quando disse que se a Europa não cooperasse com seu governo ele iria colocar todos os refugiados (que estão em campos na Turquia) em ônibus e enviá-los para a Europa. É uma chantagem aberta, mas, infelizmente, o governo alemão está mais disposto a trabalhar com o líder turco. Mas a questão do fluxo de imigrantes não é apenas mais uma questão para a Europa, é uma questão de sobrevivência para toda a União Europeia.
Qual seria a solução?
A solução é trabalhar com a sociedade civil na Turquia, com forças democráticas. A Turquia não é um país que pode simplesmente não ouvir a Europa e os Estados Unidos. O país é membro da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), quase um membro da UE, cerca de 60% do nosso comércio internacional é feito com países europeus, e aproximadamente 80% dos investimentos externos no país vêm apenas de França e Alemanha. Esses países têm poder de barganha com a Turquia. Eles podem pressionar o governo, até mesmo com sanções. Claro que minha família e meus amigos sofreriam. Mas se eu tiver de escolher entre sofrer nas mãos de uma ditadura ou sofrer com sanções econômicas temporárias, prefiro a última opção. Não acredito que o governo seria capaz de insistir nessa política. Europa e EUA poderiam pressionar a Turquia a seguir por caminhos mais democráticos.
RENATA TRANCHES, O ESTADO DE S. PAULO