Com ações judiciais, presidente da Turquia ameaça liberdade de imprensa
“Desculpe, eu recebo muitos pedidos e preciso me proteger um pouco contra essa onda”, respondeu a jornalista holandesa Frederike Geerdink pelo Twitter. O contato se deu alguns dias antes de sua absolvição, em 13 de abril. A repórter, que vive na Turquia desde 2006 e é especialista no conflito curdo, foi detida em 6 de janeiro, acusada de provocar o terrorismo no país por divulgar mensagens sobre o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK).
Enquanto sua casa era revistada pela polícia antiterrorista, o presidente turco Recep Tayyip Erdogan afirmava, diante de uma reunião entre embaixadores, que “nem na Europa e nem no mundo há uma imprensa tão livre como na Turquia”. Esse é mais um, entre vários, caso de ações judiciais do governo contra a imprensa.
Segundo alguns jornalistas, “ser processado pelo presidente virou algo rotineiro”. Pode-se dizer que o dia 17 de dezembro de 2013 foi um marco no que seria o “estilo” de Erdogan. Uma investigação encabeçada por juízes favoráveis a Fethullah Gülen, principal rival do atual presidente, levou à prisão dezenas de executivos e políticos ligados ao, na época, primeiro-ministro. Desde então, ficou clara a sua luta contra a imprensa – ou “estado paralelo”, como define.
Em seus 35 anos de carreira, o jornalista turco Yavuz Baydar já passou por muita coisa, inclusive exílio na Suécia, mas enfatiza que esse é o pior momento vivido pelo jornalismo no país. “Eu nunca vi o estado de nossa profissão sob tal ameaça. Diferentemente de períodos anteriores de opressão, desta vez, a liberdade, a independência, a diversidade e a segurança dos repórteres estão sob uma ameaça sistêmica.”
Em um estudo sobre os veículos de comunicação na Turquia, feito por Baydar para a Kennedy School da Universidade de Harvard (EUA), ele afirma que as redações foram convertidas em “prisão ao ar livre” onde a autocensura é uma realidade e os repórteres independentes não têm espaço. Além disso, a mordaça é também exercida por meio de contratos públicos.
De acordo com Baydar, entre 70-80% das empresas de comunicação são controlados pelo governo, enquanto de duas a três emissoras, entre 20, e de quatro a cinco jornais, de 40, são independentes. “A luta contra uma mídia livre é um motivo pessoal de Erdogan. O governo, ainda que uma democracia, copia sua revolta contra o jornalismo.”
Inimigo número 1
Quase um ano após o escândalo de corrupção envolvendo o nome de Erdogan, o presidente ordenou, no dia 14 de dezembro de 2014, que fossem invadidos veículos ligados à oposição e, ainda, decretou a prisão de 24 pessoas, acusadas de fazerem parte de um complô político e religioso. A polícia invadiu o jornal Zaman e o canal Samanyolu. “Restaram poucos meios críticos e independentes na Turquia. Nós, por exemplo, desafiamos à custa de sermos processados, perseguidos e vermos nossas receitas de publicidade caírem.
As pessoas estão cada vez com mais medo de perderem seus empregos se cobrirem questões como corrupção ou práticas ilícitas”, destaca Sevgi Akarcesme, colunista do Zaman. Se o número de jornalistas presos no país diminuiu desde 2010, quando atingiu seu auge (mais de uma centena), para os sete atuais, segundo o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), a quantidade de profissionais demitidos aumenta gradualmente.
Para Kamil Ergin, representante da Cihan News Agency na América Latina, 1.863 repórteres foram demitidos no último mandato do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP). Pelos registros públicos, 981 profissionais perderam seus empregos apenas na metade de 2014. “Os jornalistas independentes acabaram fundando novos veículos após serem demitidos, como Karsi, T24, Milat, Diken, Meydan, Bugun etc. Uma parte mudou de profissão e trabalha como assessores de imprensa em companhias privadas. Alguns não escrevem mais e foram aposentados”, completa.
Os que conseguem criticar a atual gestão sofrem diversos tipos de pressões. Segundo Ergin, inspetores financeiros visitam a empresa e analisam todos os documentos e contas de forma detalhada até dez anos atrás. Caso localizem alguma irregularidade, concedem multas enormes para forçar o grupo a chegar a um acordo com o governo. “Caso não identifiquem uma irregularidade, cortam as propagandas comerciais que vêm das entidades públicas e apertam a sua renda. Também pressionam as empresas privadas para não passar suas propagandas por meio desses jornais ou TVs”, explica o correspondente da agência Cihan.
Outro método de pressão é cancelar e/ou não renovar as carteiras de profissão, bem como conceder apenas para os jornalistas que são pró-governo e não providenciar credenciais para que os demais acompanhem eventos públicos.
“Eles não autorizam a viagem e participação nos eventos internacionais que a Turquia participa. Deportam os repórteres estrangeiros que criticam a gestão.” Luciana Constantino, de O Estado de S. Paulo, participou, em dezembro de 2014, de um projeto organizado pela Fundação de Jornalistas e Escritoras (sigla GYV, em turco), junto com o Grupo Zaman, a fim de apresentar a Turquia para a imprensa brasileira.
De acordo com ela, que compartilhou suas experiências durante o Ciclo de Palestras “Experiências na Turquia”, na Faculdade Casper Líbero, em São Paulo (SP), não houve nenhuma tentativa de repressão ao seu trabalho. “O governo consegue pressionar mais os jornalistas locais. Eles não podem fazer parecer que estão cerceando a liberdade de imprensa. Para a comunidade internacional, tem que parecer que está sendo democrático.”
Apagão da liberdade de imprensa
Em um de seus discursos, mesmo antes de ser eleito, Erdogan foi bastante direto: “Estou cada vez mais contra a internet”. Ao assumir, o presidente fez jus à declaração. O governo aboliu o órgão que regula o conteúdo e acesso à internet (TIB) e todas as responsabilidades da entidade foram transferidas para o serviço secreto nacional (MIT).
Segundo Ergin, a legislação jurídica também mudou e, com isso, ficou mais fácil comandar a censura na internet. Em 2014, mais de 17 mil sites foram bloqueados, contra os 1.664 em 2010. Os jornalistas contam que sentiram as restrições se agravarem durante os protestos em Gezi Park, que começaram com os planos para transformar o parque, em Istambul, em um complexo com uma nova mesquita e um shopping.
“Erdogan teve grande parte dos conglomerados de mídia sob controle, em seguida fez os magnatas dependentes de grandes contratos públicos, mas tinha dificuldade em vazamentos que ocuparam as redes sociais e os websites. No início de 2014, o YouTube e o Twitter foram proibidos, e assim permaneceu por algumas semanas. Logo depois, o Tribunal Constitucional levantou a proibição, em uma decisão histórica”, ressalta Baydar.
Mesmo diante de um cenário clamando por mudanças, Ergin pontua que a estrutura da mídia na Turquia é muito dispersa. São mais de trinta associações de imprensa na região, mas a maioria é integrada a políticos. “Não há uma união e solidariedade de profissão”, opina.
Atualmente, há quatro partidos no parlamento turco: AKP (governo), CHP (republicanos), HDP (curdos) e MHP (nacionalistas). De acordo com o correspondente, todos os partidos da oposição manifestaram a sua postura pró-liberdade de imprensa. “Mas suas vozes ficaram fracas e não se tornou algo em prática.Apenas um polêmico discurso.”
Fonte: www.portalimprensa.com.br
Fonte: www.brasilturquia.com.br