Na Turquia, não é mais um passeio no parque
As colunas desta semana marcharam ao largo dos protestos no Brasil. Um caminho preferencial foi falar da Turquia, onde, como no Brasil, uma questão específica (o projeto de demolição de um parque em Istambul) foi o fertilizante para protestos difusos. Vamos terminar a semana perguntando se na Turquia é o começo do fim.
Sempre é difícil manter um pique de coesão com causas tão dispersas, embora manifestantes turcos (ambientalistas, liberais, gente secular, ativistas gays, minorias religiosas, nacionalistas de direita, extremistas de esquerda e indignados em geral) tenham se aglutinado em torno de bandeiras de luta contrárias ao autoritarismo e à islamização sob o governo de Recep Erdogan.
Houve truculência policial, arrastão pelas forças de segurança, o discurso intimidador do populista Erdogan (se eles levam cem mil para as ruas, eu levo um milhão) e algumas concessões para tirar o gás dos protestos (enquanto era disparado o gás lacrimogêneo).
O parque Gezi não será arrasado enquanto o caso se arrastar nos tribunais sobre a legalidade de construção da réplica de um quartel otomano. E mesmo se Erdogan prevalecer, há a promessa de um referendo em Istambul. Alguns setores entre os manifestantes endureceram e há provas de paciência, como este novo método de protesto do “grito do silêncio”, de ficar plantado na rua, na praça. O movimento dos imóveis.
O governo também endurece, calculando que basta manter mobilizado seu núcleo duro de devotos (O partido de Erdogan, Justiça e Desenvolvimento, tem pouco mais da maioria dos eleitores e pode contar com um segmento aguerrido de pelo menos 1/3 deles). Mas a massa em um país democrático (e ainda é o caso da Turquia) não consegue ficar num estado de mobilização permanente (isto funciona para alguns fanáticos aparatos ideológicos e religiosos ou populações arregimentadas por sistemas totalitários).
Assim, os sinais na Turquia são de dispersão de um movimento que por algumas semanas conseguiu manter este estado de alta mobilização (e alta ansiedade). Claro que eu me protejo dizendo que estes processos refluem e depois podem irromper novamente.
Não foram apenas manifestantes que saíram machucados. Isto aconteceu também com Erdogan. Houve uma perda de popularidade e também a sensação de que seus dias gloriosos ficaram para trás (seu plano é concorrer à presidência no ano que vem e governar com poderes reforçados, após mudanças constitucionais).
Há da parte dele uma jogada: esta semana, num discurso para seus partidários, Erdogan se afastou um pouco do sua retórica de denuncismo dos manifestantes (vândalos, terroristas, inocentes a serviço de forças estrangeiras) para vender uma mensagem mais positiva de condução da Turquia. Ele falou de nova metas quinquenais, como aumentar a renda per capita em mais de 50% (para 16 mil dólares), criar quatro milhões de empregos e domar a inflação. Os tempos estão mudando, porém, para mercados emergentes como a Turquia.
Não será um passeio no parque para Erdogan, como já não é neste que ele quer destruir em Istambul.
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Colher de chá para a Carmem (dia 21, 10:13), que ao menos deu colher de chá para os turcos nesta coluna. Os leitores estão no Brasil, hehehe, entendo. E uma colher de chá dominical para a Andrea (dia 23, 20:26), tipo de comentário que me deixa animado e espero que os leitores também. Pega bem o espírito deste bazar. E em nome deste espírito, colher de chá também para os paladinos do pé atrás, Henrique e Maisvalia.
Fonte: http://www.caioblinder.com