Governo turco usa de forma inadequada decisão do TEDH para justificar revistas íntimas rotineiras, diz relator da ONU
O governo turco usou de forma inadequada uma decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) para justificar revistas íntimas rotineiras em prisões, revelou um relator da ONU durante uma recente revisão pelo Comitê das Nações Unidas contra a Tortura (CAT).
Embora as leis da Turquia limitem o uso de revistas íntimas a situações específicas onde é considerado necessário por razões de segurança, a prática é comumente usada em centros de detenção policial e prisões contra prisioneiros políticos sem histórico de violência.
A questão causou uma ampla controvérsia pública no final de 2020 quando várias mulheres se manifestaram para falar sobre suas experiências em vídeos compartilhados nas redes sociais, em reação à negação da prática por um deputado do partido governista.
O relator da ONU Bakhtiyar Tuzmukhamedov apontou na quarta-feira que o relatório do governo turco sobre sua conduta para prevenir a tortura incluía um parágrafo para justificar revistas íntimas rotineiras, que era baseado em uma interpretação enganosa de uma decisão do TEDH.
O caso do TEDH em questão envolvia revistas íntimas de um prisioneiro na Holanda. Enquanto a Turquia citou o reconhecimento do tribunal sobre a necessidade de revistas íntimas para a segurança prisional em certas circunstâncias, o relator esclareceu que essa citação era seletiva. O TEDH havia de fato referenciado suas decisões anteriores, mas concluiu que revistas íntimas semanais equivaliam a tratamento desumano ou degradante, violando o Artigo 3 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, que proíbe a tortura.
O relator da ONU enfatizou que a citação da Turquia não era apenas enganosa, mas também minava a credibilidade de sua defesa contra alegações de tortura e tratamento degradante. Esta revelação foi parte de uma crítica mais ampla durante a 80ª sessão do CAT, onde a conformidade da Turquia com a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (UNCAT) estava sob revisão.
A sessão, realizada de 8 a 26 de julho em Genebra, aborda múltiplos relatórios submetidos por mais de 40 organizações da sociedade civil (OSCs) sobre a Turquia. Esses relatórios detalharam práticas sistemáticas de tortura, desaparecimentos forçados, execuções extrajudiciais e impunidade generalizada na Turquia.
As observações do relator destacaram várias inconsistências e lacunas no relatório da Turquia. Ele apontou que, enquanto a Constituição turca estabelece um padrão de 48 horas de detenção sem acusação, os decretos do estado permitiam um período muito mais longo, de até 14 dias, sob a autoridade de um promotor público. Esta discrepância estava em desacordo com os padrões internacionais.
Além disso, o relator levantou preocupações sobre o estado de emergência declarado após uma tentativa de golpe em 2016, que ele argumentou ter se tornado um estado de fato permanente. Os decretos de emergência inicialmente abordando exigências foram promulgados como leis ordinárias, continuando a governar a vida normal na Turquia.
Entre outros pontos, o relator criticou a definição de tortura do Código Penal turco por carecer de elementos essenciais, como o objetivo da tortura e o direcionamento a uma terceira pessoa. Ele também apontou que confissões obtidas sob tortura não eram explicitamente proibidas de serem usadas como evidência em tribunal.
Durante a sessão, o relator também levantou preocupações significativas sobre a prisão e condenação de Aydın Sefa Akay, um ex-juiz do Tribunal Penal Internacional da ONU para Ruanda e do Mecanismo Residual Internacional da ONU para Tribunais Criminais. Apesar da imunidade diplomática e numerosos apelos por sua libertação, o Juiz Akay foi detido após a tentativa de golpe de 2016 na Turquia. O TEDH recentemente decidiu por unanimidade que a Turquia violou os direitos de Akay à liberdade, segurança e respeito pela vida privada e familiar, concedendo-lhe compensação.
O caso de Akay destaca a repressão mais ampla ao judiciário e servidores públicos na Turquia após a tentativa de golpe, com mais de 4.000 juízes e promotores removidos de suas posições.
Este caso, segundo o relator, não apenas sublinha o desrespeito da Turquia pela imunidade diplomática e padrões judiciais internacionais, mas também levanta preocupações mais amplas sobre a independência do judiciário e a proteção de oficiais da ONU. Ele pediu que a Turquia cumprisse o julgamento do TEDH e questionou a capacidade do estado de repor seu judiciário com juízes competentes e independentes após as demissões em massa pós-tentativa de golpe.
O relator também mencionou o caso de Gökhan Açıkkollu, um professor que morreu sob custódia policial após ser submetido a tortura e maus-tratos, como um exemplo gritante de abuso severo na Turquia. Apesar da determinação do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas de que Açıkkollu foi torturado e da falha do estado turco em conduzir uma investigação adequada, nenhuma ação foi tomada contra os responsáveis. O relator enfatizou que este caso sublinha um padrão mais amplo de impunidade para violações de direitos humanos na Turquia, como também refletido em múltiplas decisões do TEDH que encontraram a Turquia em violação do Artigo 3 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, que proíbe tortura e tratamento desumano ou degradante.
A sessão sublinhou a necessidade de a Turquia alinhar suas leis domésticas com padrões internacionais e abordar as questões sistemáticas destacadas pelas OSCs. O relator pediu reformas legislativas e judiciais abrangentes, enfatizando a importância de supervisão independente e mecanismos de investigação efetivos para combater a tortura e maus-tratos.
Tortura em custódia e em prisões é um problema sistemático na Turquia sobre o qual grupos de direitos locais, parlamentares e autoridades estaduais recebem centenas de reclamações todos os anos. No início deste ano, a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (APCE) adotou uma resolução que expressou preocupação com um aumento nos incidentes alegados relatados da Turquia nos últimos anos.
Após a tentativa de golpe em 2016, maus-tratos e tortura se tornaram generalizados e sistemáticos nos centros de detenção turcos. A falta de condenação por parte de autoridades superiores e a prontidão para encobrir alegações ao invés de investigá-las resultaram em impunidade generalizada para as forças de segurança.
Bünyamin Tekin