Turquia amarga drásticas consequências do isolamento vertical
Quando começaram a surgir casos de coronavírus na Turquia, o isolamento vertical foi adotado como forma de combate. Crianças, adolescentes e idosos permaneceram em casa, enquanto empresas e indústrias funcionavam normalmente, estimuladas pelo governo para conter também o impacto econômico da pandemia.
Em velocidade alarmante, a doença se alastrou infectando 96 mil pessoas e registrando uma média de 4.500 novos casos por dia por dia. A Turquia ultrapassou o Irã e a China e amarga o trágico primeiro lugar da Covid-19 no Oriente Médio e o sétimo no ranking mundial.
Especialistas acreditam, contudo, que as estatísticas estão subestimadas e que o governo comandado pelo presidente Recep Tayyip Erdogan demorou a responder ao surto, mantendo inicialmente fronteiras abertas e voos internacionais, sob o pretexto de que “as rodas da economia” deveriam continuar a girar. Escolas e restaurantes fecharam, mas canteiros de obras multiplicavam-se como se não houvesse amanhã.
O panorama se deteriorou no país de 82 milhões de habitantes. No início do mês, o governo se viu obrigado a decretar um toque de recolher de 48 horas, durante um fim de semana, anunciado apenas duas horas antes de entrar em vigor. Em pânico, milhares de pessoas correram para os supermercados sem respeitar as regras mínimas de distanciamento social.
O confinamento aos fins de semana se estenderá, a partir desta quinta-feira, para quatro dias em 31 províncias do país. Se a estratégia inicial do governo era preservar a economia, ela parece ter fracassado. A previsão é de que pela primeira vez em uma década, o país terá retração, em vez do crescimento de 5% projetado para este ano.
A pandemia expõe claramente outras tragédias da Turquia, como a falta de transparência e perseguição a jornalistas e políticos de oposição. Erdogan aproveita para livrar-se dos poucos meios de comunicação críticos ao governo e acusa a mídia de ser mais perigosa do que o vírus.https://audioglobo.globo.com/widget/widget.html?podcast=702&color=C4170C
Nas últimas semanas, vários jornalistas foram presos por dar sinais das falhas do governo na condução da pandemia. Entre eles, o popular âncora Fatih Portakal, da Fox News Turquia, apenas por um tuíte que ironizava as medidas ao combate do coronavírus.
Para aliviar a propagação do vírus nas prisões superlotadas, Erdogan determinou a libertação temporária de 45 mil prisioneiros — quase a terça parte da população carcerária do país. A anistia soltou acusados de crimes hediondos e deixou de fora jornalistas, juristas, ativistas de direitos humanos — considerados presos políticos.
Erdogan e seu partido AKP impuseram uma cruzada repressora no país depois da fracassada tentativa de golpe contra seu governo, em 2016, orquestrada por uma parte das Forças Armadas. A ela seguiu-se o estado de emergência nacional e o expurgo em massa de adversários políticos, assegurando ainda mais poderes ao presidente. A Turquia autoritária sai claramente reforçada desta pandemia.