Turquia demitiu mais de 100 mil após tentativa de golpe, denuncia ONG
ISTAMBUL — A Anistia Internacional criticou a Turquia nesta segunda-feira por demitir milhares de funcionários públicos após o golpe fracassado no ano passado. Mais de 100 mil funcionários foram destituídos e inabilitados de ocupar cargos públicos através de decretos amparados pelo Estado de emergência vigente no país. No mesmo dia, as autoridades turcas detiveram dois professores, que estavam em greve de fome há mais de dois meses, em Ancara.
Os professores Nuriye Akman e Semih Ozakca tomavam apenas líquidos por mais de 70 dias, em protesto por terem sido demitidos depois da tentativa de golpe. Akman, Ozakca e muitos outros funcionários públicos perderam seus empregos após terem sido acusados de ter relações com grupos considerados terroristas. As medidas tomadas pelo governo de Ancara após a tentativa de tomada de poder provocaram uma perseguição sem precedentes e demissões maciças, que violaram a liberdade de expressão, de associação e o direito à não descriminação, afirmou o grupo de direitos humanos em um relatório.
Segundo o advogado dos dois Selcuk Kozagacli, a polícia turca os deteu por temer que a greve de fome poderia tornar-se em um “jejum de morte” e gerar novas manifestações.
— Sou advogado há muito tempo e nunca vi esse motivo para uma prisão — disse Kozagacli por telefone. — Na lei turca, esse tipo de prisão preventiva baseada em suposições não existe.
A detenção dos professores causou protestos nas ruas de Ancara, que clamavam pelos direitos trabalhistas. A polícia turca usou gás lacrimogêneo para dispersar os manifestantes, e alguns deles foram detidos.
A Anistia Internacional afirma que o governo turco classificou como terroristas professores, acadêmicos, médicos, policiais e soldados, impossibilitando que regressem às suas profissões e os obrigou a depender da ajuda de amigos e familiares ou a trabalhar em empregos irregulares. Além disso, mais de 47 mil pessoas foram presas por supostamente ter vínculos com o golpe.
A ONG classificou as demissões como arbitrárias e disse que os laços com grupos terroristas reivindicados pelo governo não foram provados. De acordo com o grupo, as destituições tiveram um efeito devastrador sobre os funcionários e suas famílias. Os demitidos também tiveram os passaportes cancelados, sendo também impedidos de buscar emprego fora do país.
“As autoridades devem por um fim imediato a estas demissões arbitrárias e reestabelecer aqueles que foram considerados culpados sem cometer nenhum delito”, disse Andrew Gardner, investigador da Anistia Internacional na Turquia. “Aqueles que foram demitidos devem ter acesso a uma apelação veloz e efetiva que os permita limpar seus nomes, ser compensados e regressar a suas carreiras”.
Entre os demitidos há 8 mil militares, 24 mil policiais, 33 mil professores e empregados do Ministério da Educação, 6 mil médicos e empregados do Ministério da Saúde, 5 mil professores, 4 mil juízes, promotores e funcionários do judiciário e 3 mil empregados do gabinete do primeiro-ministro, segundo dados do relatório da Anistia Internacional.
O governo turco alega que o expurgo era necessário para combater ao terrorismo e eliminar os seguidores do clérigo exilado nos Estados Unidos, Fethullah Gulen, que é acusado de orquestrar a tentativa de insurreição. Ancara também disse que formará uma comissão de apelação para revisar os casos daqueles que asseguram terem sido despedidos injustamente. No entanto, a Anistia Internacional afirma que esta comissão deve ser independente do governo para ser efetiva.
Originalmente publicado em: oglobo.globo.com