Erdogan mantém cerco à imprensa, e ameaça se estende a jornalistas estrangeiros
Profissionais de imprensa criaram um novo jargão, na Turquia. Eles se referem, hoje, aos “jornalistas de dentro” e aos “jornalistas de fora”. Com isso, querem dizer: os que já estão detidos e os que ainda estão livres.
Os ataques ao setor, intensificados após a tentativa de golpe militar em 15 de julho, têm sufocado o trabalho da mídia no país. Os números mais recentes indicam que 144 jornalistas foram detidos desde então e que 195 veículos foram fechados.
A Turquia está na posição 151 entre 180 países no quesito liberdade de imprensa, segundo a organização Repórteres sem Fronteiras. O Brasil está no 104º lugar.
“Essa pode ser a repressão final”, diz à Folha a repórter turca Gülsin Harman, coordenadora regional do IPI (Instituto Internacional de Imprensa). “Quando chegar ao fim, não terá sobrado mais nenhum meio crítico.”
Harman se reúne com a reportagem em um café do bairro de Cihangir, em Istambul. Ela narra uma anedota que exemplifica os riscos enfrentados no país.
Cientes de que os “jornalistas de dentro” não podem trocar correspondências, dezenas de colegas se reuniram em dezembro para uma fotografia de fim de ano. Esperavam que a imagem fosse publicada em um dos poucos veículos críticos e chegasse aos detidos em suas celas.
Ahmet Sik foi detido horas depois de a fotografia ser feita. Ele só viu a imagem no dia seguinte, dentro da prisão. “Ser preso se tornou parte do trabalho”, afirma Harman.
A ameaça se estende, também, aos veículos estrangeiros na Turquia. O jornal americano “New York Times”, por exemplo, omite o nome de seus repórteres na Turquia para protegê-los. Dion Nissenbaum, repórter do “Wall Street Journal”, foi detido por três dias no Ano-Novo.
Na ausência de oposição, a imprensa aliada ao governo turco tem publicado, nas últimas semanas, reportagens sobre as vantagens de uma reforma constitucional.
A medida, que pode ser levada a voto popular em abril, deve concentrar os poderes nas mãos do presidente Recep Tayyip Erdogan.
Durante esse processo, repórteres ouvidos pela Folha se ressentem da falta de apoio da população, que não condena o estrangulamento da imprensa. “Sentimos que não conseguimos convencer as pessoas de que elas se beneficiam dos jornais, que aquele é o espaço para elas contarem suas histórias.”
Nas atuais circunstâncias, as redes sociais se tornaram a via de escape, apesar das constantes restrições a seu uso. Com algum risco, porém —mais de 3.000 estão sob investigação pelo uso dessas plataformas, segundo o IPI.
‘INIMIGA’
A jornalista Elif Ural afirma que, com seu histórico de comentários críticos ao governo nas mídias sociais, já prefere não ir a entrevistas de emprego. “Tampouco gostaria de trabalhar nesses veículos. Eles não fazem mais jornalismo”, afirma.
Ela trabalhava para o canal de televisão estatal TRT quando, no início do ano, criticou o governo por não ter agido em relação a um escândalo de abuso sexual infantil. Horas depois de seu comentário numa rede social, ela foi demitida por telefone.
“Não estou insultando ninguém, nem sou uma extremista”, diz. “Só estou criticando as coisas que estão erradas, mas eles me veem como inimiga do Estado.”
Ural trabalha hoje como produtora para veículos estrangeiros, mas diz que esse trabalho tampouco oferece segurança.
DIOGO BERCITO
ENVIADO ESPECIAL A ISTAMBUL
Fonte: folha.uol.com.br