Expurgo acelera a radicalização islâmica na Turquia
Turquia está sendo rachada ao meio pelo continuado conflito entre o movimento Gulen, que é globalmente ativo, e o Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), que se torna cada vez mais islamista e que tem estado no poder por mais de uma década. Tanto as audiências estrangeiras quanto as locais foram surpreendidas pela intensidade da disputa, que agora está atingindo o pico como consequência da recente tentativa de golpe.
Sem dúvida alguma, a tentativa de golpe contra o governo eleito no meio de julho mudou todo o contexto social e político no país, não apenas para o movimento Gulen mas também para o governo turco. Muitos comentaristas alegam que a tentativa de golpe, que Erdogan descreveu como um “presente de Deus”, está permitindo a ele consolidar seu poder sobre os militares, que costumavam ser os “guardiões do regime secular”, e esmagar qualquer crítica a seu governo através do continuado Estado de Emergência. O continuado expurgo não deixa espaço para dúvidas de que o governo esteja pronto a fazer o que for preciso para eliminar o movimento Gulen.
Mas erradicar o movimento Gulen da sociedade terá o seu próprio preço e faz parte de um processo que está produzindo outras repercussões sociais e políticas muito negativas na Turquia.
Radicalização doméstica
O impacto da era pós-golpe já pode ser visto em muitos aspectos dos padrões sociais e políticos da Turquia.
A Turquia é conhecida por ter se tornado um refúgio para milhares de militantes estrangeiros nos últimos três anos, o atual aumento da radicalização islamista doméstica é outro sinal que a trama social da Turquia está passando por uma nociva mudança. O maior efeito dessa mudança foi o estrago feito ao entendimento predominante tradicional do Islã na Turquia, que sempre esteve afastado de qualquer forma de extremismo. Só que agora essa noção de Islã está se desenvolvendo em uma nova forma de identidade política capaz de lançar mão da violência contra qualquer outro segmento da sociedade que não se encaixe no conceito estabelecido de nacionalismo e islamismo turcos.
As elites políticas, tanto islamistas quanto secularistas, estão cada vez mais espalhando uma animosidade anti-Ocidente inspirada ou pelo nacionalismo turco extremista ou por uma interpretação radical do Islã ou por uma mistura de ambos. Muitos observadores políticos ficaram sem saber o que dizer quando, durante um comício neste ano, o Presidente Recep Tayyip Erdogan proclamou publicamente: “Nem sequer pensem que o conflito que começou há 1.400 entre a verdade [Islã] e a falácia [outras crenças] acabou. Nem sequer pensem que aqueles que estavam de olho nestas terras há 1.000 anos desistiram de suas ambições. Este conflito de longa data está continuando e vai continuar”.
De forma preocupante, muitas autoridades estão seguindo por esse caminho, incluindo o ministro da economia da Turquia, Nihat Zeybekçi, que definiu os simpatizantes do movimento Gulen como traidores e fez a seguinte ameaça: “Esses traidores vão ser punidos do jeito que o público quer. Não apenas com a pena de morte, vamos punir eles até que nos implorem para que a gente mate eles”.
A sabedoria popular nos diz que ações sempre vêm logo em seguida de discursos de ódio como esses. Assim como com o movimento Gulen, através da mídia complacente, as elites políticas estão aumentando a pressão sobre várias comunidades religiosas moderadas que aderem a uma compreensão pacífica do Islã, e excluindo eles da esfera pública. Essas são comunidades que são conhecidas por dissuadir a sociedade de qualquer forma de extremismo religioso. Expulsar essas comunidades de longa data da esfera pública com medidas draconianas cria um vácuo que é rapidamente preenchido por vários grupos radicais com narrativas bem extremistas. Isso, de fato, prepara o caminho para aumentar ainda mais a radicalização islamista no país.
Em um dos mais claros exemplos dessa tendência, um imã se dirigiu às multidões do lado de fora da casa de Erdogan: “O que pegamos dos traidores se tornou a propriedade desta nação. As 15 universidades delas são todas suas. Os hospitais são todos seus. Mil escolas agora são todas suas. Usem e usufruem deles”. Essa declaração é alarmante porque ao declarar a propriedade deles como “espólio”, o imã está de fato declarando o movimento e seus participantes como estando “fora do Islã”. Essa tática é cada vez mais rara nas formas moderadas mais tradicionais do Islã na Turquia (pois existem proibições religiosas para fazer uso dela), más típica de radicais islamistas e grupos terroristas como a al-Qaeda e o ISIS.
Uma asserção forte como essa e a perigosa tendência que ela representa só pode ter um um impacto no Islã predominante na Turquia se tiver apoio institucional e público. Já existem muitos relatos confiáveis sobre a capacidade institucional de grupos na Turquia, incluindo o ISIS, com vários centros de propaganda em várias cidades turcas. De acordo com uma pesquisa feita por um centro de pesquisas proeminente, o apoio público ao ISIS alcançou 19,7 porcento e 23,2 porcento da sociedade turca possui simpatia por essa organização terrorista.
Essa radicalização islamista pode estar formando parte do continuado Estado de Emergência. O decreto governamental que fechou e confiscou milhares de escolas técnicas particulares é por si só um indicador crucial de como a trama social do país está sendo mudada. Em um acontecimento preocupante, muitas das escolas técnicas particulares que foram confiscadas após a tentativa de golpe estão agora sendo transformadas em estabelecimentos de educação religiosa (escolas imam hatip).
Os observadores podem discutir sobre até onde a radicalização islamista está se aprofundando na Turquia. Contudo, a tendência recente demonstra que a Turquia, como o único país de maioria muçulmana na OTAN está ficando disposta a ainda mais radicalização e esse processo representa uma ameaça séria às características seculares e democráticas do país.
Ebubekir Isik