A onda sombria de riscos globais
No ano mais instável desde a Segunda Guerra Mundial, a ascensão de Donald Trump e a escalada autoritária na Turquia suscitam debate sobre futuro e riscos da economia global
Quando Donald Trump foi oficializado como o nome republicano para a disputa presidencial nos Estados Unidos, na quarta-feira 20, o favoritismo do bilionário no partido não era mais uma surpresa do público americano nem do mundo. Sua candidatura despontou pouco a pouco nas primárias com frases polêmicas e um tom populista que acabou encontrando eco numa plateia mais numerosa do que o previsto. Com 13,4 milhões de votos, Trump derrotou 16 candidatos e superou George W. Bush como o recordista das primárias republicanas. Ele pode até não vencer em novembro, mas entrará para a história como o azarão que ajudou a acentuar as tensões geopolíticas no ano mais instável desde o fim da Segunda Guerra Mundial, segundo avaliação da consultoria Eurasia, que publicou em janeiro um relatório com os dez principais riscos no mundo. De lá para cá, seis riscos já foram confirmados. E, curiosamente, Trump não era um deles, o que ajuda a explicar porque especialistas começaram a levantar hipóteses sobre mudanças mais estruturais na ordem política e econômica global.
A suspeita é de um revés no processo de globalização, cujo resultado pode ser uma onda de protecionismo e incertezas nocivas ao crescimento global. O temor sobre uma eventual vitória do bilionário é diretamente proporcional à sua popularidade. Quanto mais ênfase coloca no interesse nacional e nos questionamentos sobre os benefícios de relações com o mundo, em temas como imigração, mais Trump consegue convencer eleitores e assustar autoridades e especialistas. Há dúvidas se os seus comentários se traduzirão em ações concretas caso ele venha a suceder Barack Obama. Enquanto não se confirmam, porém, o tom da palavra e os sinais de mudanças radicais na posição da potência assustam. “Está na hora de mostrar para o mundo que a América está de volta – maior e mais forte do que nunca”, afirmou no discurso de encerramento das convenções que o confirmaram no páreo, na quinta-feira 21. No mesmo evento, o candidato já usara uma ironia desconcertante para justificar seu desinteresse sobre a escalada de violência e repressão na Turquia nos últimos dias. Segundo ele, antes de se intrometer em problemas externos, os Estados Unidos precisam “consertar a própria bagunça”: “Olha o que está acontecendo com o nosso país”, disse Trump. “Como vamos fazer discursos quando as pessoas estão matando a sangue-frio.”
Palco de atentados terroristas desde 2015, a Turquia é um dos seis riscos apontados pela Eurasia que se confirmaram. O país vive uma iminência de guerra civil após a tentativa de golpe militar que tentou derrubar o presidente Recep Tyyiap Erdogan. O fracasso da ofensiva, que contou com a mobilização popular e a morte de 240 civis, legitimou os desmandos de Erdogan e colocou o grupo favorável ao seu mandato como álibi do avanço protecionista e autoritário, num risco à estabilidade democrática. Veículos de comunicação independentes estão sendo fechados e opositores, perseguidos e presos. Mais de seis mil soldados, 700 promotores e 21 mil professores sofreram represálias . “Ele está polarizando cada vez mais o país”, diz Mustafa Goktepe, presidente do Centro Cultural Brasil-Turquia. A resposta desmesurada do mandatário também já estava nas previsões da consultoria Eurasia. No tópico, “líderes imprevisíveis”, Erdogan aparecia ao lado de Vladmir Putin (Russia), Petro Poroshenko (Ucrânia) e o príncipe Mohammed Bin Salman (Arábia Saudita), como autoridades capazes de provocar instabilidade.
Uma semana após a ofensiva militar, Erdogan decretou estado de emergência de três meses, cessou a Convenção Europeia de Direitos Humanos e passou a atuar contra seus inimigos sinalizando a favor da pena de morte. A Turquia é a porta de passagem da Europa para o Oriente Médio, vizinha da turbulenta Síria, que está conflagrada por uma guerra civil e é celeiro do grupo terrorista Estado Islâmico, também confirmado como uma das maiores ameaças do ano pela Eurasia. Devido à localização estratégica, líderes europeus demonstraram cuidado ao se pronunciar contra Erdogan. Por concentrar grande parte dos refugiados que tentam ingressar na Europa, as retaliações contra o regime autoritário são mais brandas, para que ele não abra mão das políticas migratórias adotadas até então. “A Turquia está usando todas as cartas que têm nas mãos para que não condenem as atuações do Erdogan”, diz Goktepe. “Sanções econômicas, por exemplo, estão fora de cogitação.”
As consequências da instabilidade política na Turquia já são aparentes na economia. A lira turca caiu ao menor nível desde 2008 após a tentativa de golpe. Já o setor de turismo, responsável por 5% do PIB, vem sofrendo há mais tempo, com um tombo de 23% de janeiro a maio, segundo relatório da Coface, seguradora de crédito especialista em riscos globais. A previsão é de piora ao longo do ano. “Se a lira continuar caindo, não descartamos, também, os riscos de fuga de capital”, afirmou o relatório. No Brasil, o processo de desvalorização da moeda e o risco de fuga de capital observados após a reeleição da presidente Dilma Rousseff perderam força com o impeachment – também levantado como um dos grandes temas do ano em janeiro.
De todas as preocupações apontadas para o instável 2016, a de maior repercussão econômica é de longe a decisão dos britânicos de deixarem a União Europeia, o chamado Brexit, confirmada no plebiscito de junho. Como um endosso da retórica defendida por Trump, o resultado da consulta popular é uma das razões a suscitar um debate sobre tendências globais de maior profundidade. “A votação do Brexit implica num substancial aumento das incertezas política, econômica e institucional, que terá consequências negativas macroeconômicas”, afirmou o Fundo Monetário Internacional (FMI) no mais recente relatório de projeções. Devido ao evento, a previsão de crescimento para este ano caiu de 3,2% para 3,1%. No relatório, há também um destaque para as influências negativas das tensões geopolíticas e o terrorismo em diversas economias mundiais.
Para que toda a lista de ameaças se confirme e 2016 seja, de fato, o ano mais instável desde a Segunda Guerra nas contas da Eurásia, faltariam ainda uma escalada de agitação da Árabia Saudita e o avanço da China como potência investidora global (leia quadro acima). São dois riscos aparentes, mas não totalmente confirmados diante dos outros temas mais urgentes. Apenas a chamada “ascensão dos tecnologistas”, como foi classificada a crescente influência geopolítica de chefes de empresas como Google, Facebook e Apple, ainda está mais distante de ser encarada como uma grande ameaça. Seja como for, já há quem aponte uma fragilidade na integração mundial e o risco de que o mundo repita um desencontro observado após a Grande Depressão. “O que está afetando a avaliação positiva sobre a globalização é a incapacidade de o comércio internacional em representar um elemento relevante de desenvolvimento”, afirmou o professor de economia Universidade de Columbia, Albert Fishlow. Para ele, a solução contra a tendência hostil global depende de um esforço do G-20 e de um alinhamento de políticas de estímulo dos principais bancos centrais do mundo.
A mesma avaliação é apontada por outros analistas, que enxergam ainda consequências negativas para o comércio internacional em caso de discordância entre as potências. “Acordos comerciais como o TPP (Parceria Transpacífico) tem grandes chances de ser reprovados e há risco de um crescimento no protecionismo”, afirmou à DINHEIRO Barry Bosworth, do Brookin Institute. Trata-se de um diagnóstico especialmente nocivo para o Brasil num momento em que o País se lança ao exterior para contornar a desaceleração do mercado interno e tenta finalizar, junto com o Mercosul, uma negociação comercial de mais de dez anos com a Europa. Resta saber que papel caberá ao País caso as previsões de um mundo mais focado no nacionalismo e protecionista se confirmar.