O CONTRA-GOLPE É O VERDADEIRO GOLPE NA TURQUIA
julho 23
16:53
2016
Na minha juventude, era um devorador de livros sobre história, política e estratégia. Assim, posso dizer que sou mantenedor do meu próprio “Google” – um “buscador” próprio, com razoável capacidade de remissão…
Recentemente, três livros me vieram à mente, ao me deparar com a fracassada tentativa de “golpe militar” contra o presidente Recep Tayyip Erdoğan, chefe de Estado da Turquia. São eles: “Golpe De Estado – Um Manual Prático”, de Edward Luttwak, “Manual do Golpe de Estado”, de Cúrzio Malaparte e “A Insurreição Armada”, editada pelo Comintern – Internacional Comunista, de 1928.
Curzio escreveu sua obra no início dos anos 30, observando a contaminação da sociedade, a intimidação política e a tomada do Poder nos estados submetidos a estruturas “frágeis”, levadas a cabo por comunistas, fascistas e nacionalistas – sob o ponto de vista político, psicológico e social. Luttwak escreveu seu manual no final dos anos 60, baseado em sua experiência como estrategista militar americano, descrevendo o esquema-padrão de golpe militar típico dos anos da Guerra Fria. Já o Comintern abordou várias insurreições ocorridas no primeiro quarto do século XX, na Ásia e Europa, para delas extrair lições práticas de como organizar militarmente forças populares, tomar o poder nas metrópoles e iniciar a revolução nas Capitais (abordagem tipicamente urbana).
O que vou tratar aqui, no entanto, não será do conteúdo dessas obras – recheadas de considerações de ordem prática e ideologicamente bastante diversas. Mencionei os livros porque concluí o que entendo que seus autores concluiriam, analisando o caso do “golpe” na Turquia: não foi um golpe mas, sim, um simulacro visando justificar um CONTRA-GOLPE.
Com efeito, não se toma o poder em um país como a Turquia, bloqueando pontes, assumindo programação de redes de TV, metralhando multidões a esmo com um helicóptero (sem ter apoio aéreo), bombardeando pela metade o parlamento e protagonizando quarteladas (sem assumir o comando das forças policiais de Estado). Muito menos se toma o poder sem prender ou eliminar o chefe de Estado e seus ministros…
Inadmissível que militares tarimbados, no comando de uma das mais poderosas forças militares da Europa e Oriente Médio, protagonizassem tamanho fiasco, a menos que estivessem reagindo fragilmente a um golpe de estado iminente do próprio governo em exercício.
Se alguém saiu fortalecido em sua estratégia de endurecer o regime e suprimir o que restava de liberdades no Estado Turco, este foi a própria “vítima” do golpe fracassado – o Presidente Recep Tayyip Erdoğan.
Convenientemente “fora” do alcance dos golpistas, Erdogan retornou, não para Ankara, a Capital mas, sim, para Stambul, o centro midiático da Turquia, para anunciar, já no aeroporto, o fim do golpe, antes que as tropas golpistas estivessem efetivamente desmobilizadas…
Até o momento, o governo turco já prendeu mais de 6000 pessoas, incluso milhares de magistrados, oficiais militares, parlamentares, clérigos, professores, jornalistas e diplomatas…
Erdogan fará uma “limpa”, não de golpistas mas, sim, de elementos de sustentação do Estado Democrático de Direito na Turquia.
O golpe, portanto, não foi contra Erdogan. Foi de Erdogan contra a democracia e o laicismo no Estado turco.
Recrutas do exército, detidos e apalermados, são massacrados por partidários de Erdogan |
Recep pretende instalar uma teocracia muçulmana na Turquia, sendo ele, um político laico, o “califa”…
Populista de carteirinha, Erdogan integra a geração de caudilhos radicais que infestaram, ainda infestam e, pelo visto, infestarão várias repúblicas democráticas nos cinco continentes.
Caudilhos surgem suportados por uma retórica revanchista, intolerante e rancorosa. Consolidam-se no poder praticando política segregacionista (sob o pretexto de ser “afirmativa”), e são tolerados pelas democracias ocidentais porque nelas há imbecis esquerdistas empenhados em praticar a doutrina do “politicamente correto”…
A diferença de um Erdogan (na porta da Ásia), para um Maduro (na latrina da América Latina), é que o primeiro vai entregar seu país, de bandeja, à Irmandade Muçulmana, enquanto o segundo já destruiu a Venezuela, em nome do narcoterrorismo esquerdista.
Ambos, no entanto, navegam soberanos no mar de facilidades diplomáticas, proporcionado pelos governos pusilanimes, europeus e norte-americanos (Canadá e EUA).
O suporte daqueles regimes proto-ditatoriais baseia-se no proselitismo do “contra-golpe”, justificador de ações policialescas protagonizados por teorias de conspiração.
Turistas argelinas fazem uma selfie em frente a um tanque abandonado – golpe para turista ver… |
No caso de Erdogan, seus inimigos internos haveriam de estar amparados por inimigos externos… Porém, quais inimigos?
Há quem já tenha compreendido o jogo.
Homem de inteligência (afinal, foi dirigente da temida KGB), o Presidente russo Vladimir Putin jamais se deixou enganar por Erdogan. Não por outro motivo, cortou na jugular o transporte clandestino de petróleo entre as refinarias do ISIS e a Turquia – modo pelo qual o regime de Erdogan patrocinava a barbárie sunita contra seu incômodo vizinho, o Governo Sírio de Assad, e contra seus inimigos internos, os Curdos e Armênios.
No entanto, tivesse Putin algo a ver com o golpe Turco… Erdogan já não estaria vivo…
Iranianos, xiitas, não se deixam enganar pela gangorra diplomática turca. Permanecem estrategicamente distantes do conflito.
Os israelenses reataram com o governo turco recentemente e, portanto, não estão no rol dos “inimigos de Erdogan”.
De fato, os israelenses caíram em uma armadilha.
No final de junho último (27), após seis anos de tensão diplomática, Turquia e Israel formalizaram um pacto multifacetado, resolvendo o conflito humanitário relativo ao apoio turco aos palestinos da Faixa de Gaza e, com isso, propiciando provável (repito… provável) mercado consumidor para o gás natural explorado por Israel na sua costa mediterrânea.
Sintomático foi Recep Tayyip Erdogan telefonar, em seguida para Mahmud Abbas, o presidente da autoridade palestina, para “tranquilizá-lo com relação ao acordo” e, ao depois, se reunir, em Doha, com o líder do Hamas, Khaled Mechaal. Com toda certeza, Abbas, chefe de uma organização laica, está intranquilo não apenas com Israel , mas sobretudo com a Turquia, que descaradamente apoia o Hamas, inimigo da Autoridade Palestina e aliado da Irmandade Muçulmana, do Whaabismo e do Estado Islâmico…
Erdogan aponta o dedo para os norte-americanos. Porém, se os norte-americanos, houvessem patrocinado o golpe, já teriam de há muito exercido algum esforço diplomático no âmbito da OTAN, visando proteger os cidadãos turcos, do estado progressivamente teocrático do AKP – Partido da Justiça e Desenvolvimento, comandado por Erdogan.
Ademais, o governo dos EUA é refém da praga do “politicamente correto”. Assim, Obama, Biden e Kerry não ousariam por em risco suas bases militares situadas na Turquia, muito menos protagonizar a derrubada de um presidente “legitimamente eleito” (ainda que sua legitimidade já tenha desaparecido nas brumas da desobediência reiterada à própria constituição republicana e laica da Turquia).
Por falta de inimigos, a lógica aplicada ao golpe é uma só, e cristalina: Erdogan foi vítima… do próprio Erdogan.
O golpe do contra-golpe de Estado permitiu a Erdogan destruir o Poder Judiciário da Turquia, retirar dos quadros das forças armadas todos os oficiais laicos, perseguir os líderes de oposição e reprimir os clérigos moderados. No lugar surgirá mais um Estado Islâmico, com um ditador não clerical, porém, absoluto: Recep Tayyip Erdoğan.
Ruim para os que pretendiam terminar mais cedo a guerra contra o ISIS, péssimo para os bravos e corajosos Curdos, problemático para a geopolítica Russa e extremamente vantajoso para o outro proto-caudilho populista em ascenção no continente americano, Donald Trump.
O final dessa história, com certeza, será trágico. Poderá ocorrer daqui a pouco ou… se arrastar por anos…
Vai depender do quanto ainda a praga do politicamente correto continuará a contaminar corações e mentes do que resta da inteligência do ocidente e… do resultado da eleição norte-americana e… da paciência Russa.
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro