Erdogan é obcecado por um presidencialismo sem fiscalização
Chefe da sucursal de Bruxelas do “Yarına Bakış”, nova versão do diário turco fechado “Zaman”, Selcuk Gultasli afirma que o presidente Recep Tayyip Erdogan quer mudar a Constituição para ter poder absoluto, sem precisar de referendo.
Qual é a sua opinião sobre as divergências entre Davutoglu e Erdogan?
Uma vez que Davutoglu aceitou se tornar o primeiro-ministro, escolhido a dedo, de Erdogan, acabou mostrando ser um político terrível. Ele pode ter achado que poderia frustrar Erdogan, mas acabou sendo nada mais que um fantoche. Apesar de constitucionalmente proibido, Erdogan tem agido tanto como premier quanto como presidente, apagando a já enfraquecida influência de Davutoglu. Embora tenha evitado um confronto direto, o premier era conhecido por ser contra um sistema presidencialista. Como um sinal de sua enfraquecida influência, Davutoglu foi despojado na semana passada da autoridade de nomear membros regionais do AKP. Isso foi um convite direto para que renunciasse.
Quais as chances para que Erdogan faça uma reforma e instale o presidencialismo?
Todo mundo sabe que ele é obcecado por um sistema presidencial sem fiscalizações ou prestação de contas. Existem especulações de que o governo possa convocar uma eleição antecipada, conforme as pesquisas indicam que o AKP possa obter de 51% a 53% dos votos. Ainda mais, espera-se que o partido nacionalista MHP e o partido pró-curdo HDP se saiam mal em possíveis eleições antecipadas e não consigam entrar no Parlamento. Nesse caso, Erdogan pode reunir deputados suficientes para mudar a Constituição sem fazer um referendo.
Quais são as chances de a Turquia, com a mudança de premier, sofrer com mais censura e perseguição de jornalistas e ativistas?
A liberdade de imprensa irá de mal a pior enquanto Erdogan for o cabeça do país. Ele não consegue tolerar críticas, e quem ousa criticar é bem rapidamente rotulado ou de traidor ou agente de potências estrangeiras. A Turquia já é um dos países que mais aprisionam jornalistas no mundo. Erdogan processou mais de duas mil pessoas por supostamente ter sido insultado. Isso também é sem precedentes na história republicana turca. Apesar de Davutoglu ter declarado dia após dia que a liberdade da imprensa era seu limite, ele não fez nada para reverter a tendência, mas o oposto: ele mesmo processou muitos jornalistas. Durante o seu período de 20 meses como premier, o maior jornal da Turquia, o “Zaman”, foi violentamente confiscado, e o grupo de mídia Ipek Koza foi tomado e fechado. Muitos canais de TV críticos também foram retirados do provedor turco de satélite Turksat, na prática, silenciando-os. Será justo dizer que o mandato de Davutoglu como premier foi um dos períodos mais vergonhosos para a imprensa turca e que ele é um dos principais responsáveis.
POR YAVUZ UGURTAS, ESPECIAL PARA O GLOBO
Fonte: http://oglobo.globo.com/