Voz da Turquia

 Últimas Notícias
  • Quatro mortos em ataque aéreo no Iraque atribuído à Turquia Quatro pessoas foram mortas na segunda-feira em um ataque aéreo atribuído à Turquia na região autônoma do Curdistão no Iraque, relatou a Agence France-Presse, citando fontes curdas....
  • Fontes da Baykar revelam que o genro de Erdoğan garantiu projeto de satélite sem licitação, diz jornalista A Turquia concedeu um grande projeto de satélite a uma empresa espacial recém-criada ligada ao genro do presidente Recep Tayyip Erdoğan, ignorando instituições estatais e licitação competitiva, segundo fontes anônimas dentro da empresa Baykar que falaram com o jornalista investigativo Cevheri Güven....
  • Trump enfrenta tensões com Turquia devido às forças curdas sírias As tensões entre a Turquia e os Estados Unidos continuam a ferver sobre o status das Forças Democráticas Sírias (FDS) na nova fase de transição do país. Enquanto Ancara reiterou sua disposição para considerar ações militares, se necessário, o senador americano Marco Rubio, durante sua audiência de confirmação no Senado para o cargo de secretário de Estado em 15 de janeiro, expressou apoio inabalável às forças curdas na Síria, destacando a profunda divisão entre os dois aliados da OTAN....
  • Novo projeto de lei de cibersegurança daria a Erdogan controle irrestrito Um ambicioso projeto de lei de cibersegurança recentemente introduzido no Parlamento turco provocou reações duras, com críticos levantando alarmes sobre potenciais ameaças aos direitos humanos e liberdades individuais. Embora o projeto vise fortalecer as defesas da nação contra ameaças cibernéticas crescentes, suas disposições geraram preocupação sobre vigilância, privacidade de dados e a concentração de autoridade em instituições governamentais....
  • Críticos citam negligência sistêmica enquanto o número de desastres na Turquia supera 54.000 sob governo do AKP Um triste balanço de desastres, que ceifaram 54.780 vidas na Turquia nas últimas duas décadas sob o governo do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), incluindo o recente incêndio fatal no Hotel Grand Kartal, revela um padrão de negligência governamental, afirmam críticos, segundo o jornal Cumhuriyet....
  • 71% dos turcos acreditam que não há justiça em seu país, diz pesquisa Setenta e um por cento dos cidadãos turcos acreditam que não há justiça na Turquia, de acordo com uma nova pesquisa reportada pelo Turkish Minute....
  • Indignação cresce enquanto Turquia começa a enterrar 76 vítimas de incêndio A Turquia enterrou suas vítimas nesta quarta-feira, um dia após um enorme incêndio matar 76 pessoas em um resort de esqui, enquanto crescem as perguntas sobre as medidas de segurança do hotel de luxo.  ...
  • ‘Ela pulou e morreu’: Testemunhas relembram incêndio terrível em hotel na Turquia Assim que escapou do hotel em chamas no resort de esqui, Necmi Kepçetutan soube que precisava ajudar aqueles que ainda estavam presos, gritando por socorro — incluindo vários de seus jovens alunos....
  • Turquia busca expandir inteligência no exterior com nomeação controversa Com a aprovação oficial do presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, um oficial de inteligência turco foi formalmente nomeado para liderar um departamento crucial no Ministério das Relações Exteriores. A nomeação, que faz parte de uma política liderada pelo ministro das Relações Exteriores Hakan Fidan, um ex-chefe de inteligência, sinaliza uma intensificação das operações de inteligência no exterior e da intimidação dos críticos de Erdogan....
  • Espionagem de diplomatas turcos levam ao congelamento de bens nos EUA O governo turco congelou, em 7 de janeiro, os bens de nove organizações sediadas nos EUA, incluindo seis fundações educacionais acusadas de ligações com o movimento Hizmet, um grupo crítico do presidente turco Recep Tayyip Erdogan, sob o pretexto de "combater o financiamento do terrorismo". Esses congelamentos de bens marcam o mais recente desenvolvimento nas operações de vigilância em andamento do governo Erdogan visando dissidentes nos EUA....

O retorno do sultão

O retorno do sultão
abril 29
15:54 2015
A eleição restaura a hegemonia do partido islâmico, após meses de incertezas

Contra o prognóstico das pesquisas, o presidente Recep Tayyip Erdogan obteve uma ampla vitória nas eleições parlamentares de 1º de novembro. Em junho, seu Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP, conservador islâmico) foi o mais votado, com 41%, mas obteve 258 das 550 cadeiras e perdeu pela primeira vez a maioria absoluta que teve desde 2002.

Erdogan não quis ceder à exigência do Partido Republicano (CHP, nacionalista laico de centro-esquerda, herdeiro de Kemal Atatürk) de se comprometer com quatro anos de governo de coalizão e convocou novas eleições. As pesquisas indicavam um resultado quase idêntico ou com um pequeno crescimento do CHP e a repetição do dilema, o que forçaria Erdogan a ceder.

Em vez disso, o AKP conseguiu desta vez 49,5% dos votos e 317 cadeiras à custa do Partido de Ação Nacionalista (MHP, extrema-direita laica), que caiu de 16,3% para 11,9%. O CHP obteve os mesmos 25% (esperava 30%) e o Partido Democrático Popular (HDP, esquerda aliada a curdos moderados) caiu de 13,1% para 10,8%.

A aposta de Erdogan foi bem-sucedida e o quadro volta a se assemelhar ao de 2011-2015. Não basta para viabilizar seu projeto de uma república semi-presidencialista à francesa, que exigiria uma maioria de 60%, mas, após a confirmação da vitória, ele deu a entender que tentará reformar a Constituição por referendo.

Burguesia-islâmica
Uma nova burguesia, mais islâmica, tomou o lugar da elite ocidentalizada / Osman Orsal/Reuters/Latinstock

Para Israel, é uma má notícia e confirma seu isolamento. Os governos laicos do CHP foram seus aliados, mas Erdogan simpatiza com a Irmandade Muçulmana e o Hamas. O ataque israelense à Flotilha da Liberdade para Gaza em 2010, liderada por turcos, resultou na retirada dos respectivos embaixadores e no julgamento e condenação à revelia dos comandantes israelenses na Turquia, importante demais para os EUA e a Otan para ser pressionada.

O recuo do AKP em junho pôde ser explicado pela queda do crescimento econômico (da ordem de 3% ao ano desde 2012, ante taxas de 4,5% a 10% em 2002-2011, salvo na crise de 2008-2009) e pelos reveses causados pelo fracasso da Primavera Árabe à ambiciosa política externa de Erdogan.

Sua recuperação tem sido atribuída à escalada de violência nos últimos meses, relacionada à retomada da repressão aos curdos, à guerra civil na vizinha Síria e às suas repercussões no país, especialmente o duplo atentado suicida de 10 de outubro em Ancara, que deixou 102 mortos e 400 feridos entre os participantes de uma passeata pela paz com os curdos, promovida pelo HDP, sindicatos e outras organizações de esquerda.

Apesar de o HDP culpar Erdogan pelos atentados, a maioria parece aceitar a investigação oficial que responsabiliza o Estado Islâmico. Ao EI – e não ao partido separatista curdo PKK ou a organizações de extrema-esquerda, sobre os quais o governo inicialmente também lançou suspeitas – estavam ligados os dois irmãos que atuaram como homens-bomba, método mais típico de fundamentalistas do que de agências de repressão, por mais que Erdogan pareça mais interessado do que Al-Baghdadi em combater a esquerda turca.

É razoável, porém, a acusação de descuido do Estado com a segurança da manifestação. O HDP foi praticamente impedido de realizar comícios de campanha por ameaças de violência, sem intervenção das forças públicas. Pressões do governo limitaram seriamente o acesso das oposições à mídia.

Também é verdade que muito da tensão se deve à interrupção do processo de paz com os separatistas curdos desde setembro de 2014, devido aos ataques e bombardeios aos curdos na Síria e Iraque e ao mau tratamento dos refugiados dessa etnia, em contraste com a ambiguidade da postura de Ancara ante o Estado Islâmico.

A Turquia oficialmente o condena e desde julho autorizou os bombardeiros dos EUA a usar suas bases para atacá-lo, mas só participa desses ataques de forma simbólica, ao contrário do que faz com os curdos.

Esquerda-turca
A esquerda turca cresce, mas ainda é pouco ouvida / Osman Orsal/Reuters/Latinstock

Não se pode negar as tendências autocráticas de Erdogan. O presidente desafiou a Justiça para construir um enorme palácio de 1.150 quartos e 300 mil metros quadrados ao custo de 615 milhões de dólares, no qual mora desde julho, apesar de a obra ter sido declarada ilegal pelo Conselho de Estado (supremo tribunal administrativo).

E dias antes da eleição fechou dois jornais e duas emissoras de tevê oposicionistas supostamente ligadas ao líder religioso Fethullah Gülen, inimigo político residente nos EUA acusado de conspirar contra o governo.

Mesmo assim, parte da opinião pública voltou a ver maiores chances de o AKP pacificar o país do que seus rivais. Em princípio, faz sentido: a tradição islâmica une, em tese, os dois povos e religiosos tanto turcos quanto curdos votam em Erdogan, ao passo que o nacionalismo laico do CHP e MHP os faz inimigos dos curdos por definição.

Entretanto, o agravamento da guerra civil síria e a irrupção do Estado Islâmico no Iraque deram aos guerrilheiros curdos desses dois países vizinhos uma virtual independência e apoio do Pentágono, transformaram-nos em uma retaguarda do separatista PKK e reforçaram suas esperanças de um Curdistão independente, reivindicação inaceitável para Erdogan e ainda mais para seus militares.

Soma-se a isso a tentativa do AKP, desde o recuo de junho, de recapturar votos nacionalistas com um discurso mais agressivo contra o separatismo. O HDP tem bases na periferia de Istambul e apoio de movimentos feministas e LGBT, mas é visto por conservadores (inclusive Erdogan) e nacionalistas como um partido fundamentalmente curdo e acusado de ser um “braço político” do PKK, o que pode ter assustado turcos de esquerda dispostos a apoiá-lo.

Outro fator provavelmente importante, mas pouco lembrado por analistas, foi o surpreendente impulso dado a Erdogan pelos europeus às vésperas das eleições. A onda de refugiados sírios, iraquianos e afegãos para as costas da Grécia provém, ou no mínimo passa, pela sobrecarregada Turquia, à qual naturalmente interessa repassar parte do problema a quem é mais responsável que ela por suas causas.

Pois Angela Merkel e Bruxelas ofereceram a Ancara um substancial apoio à manutenção dos campos de refugiados, a isenção de visto para cidadãos turcos na Europa e a aceleração do processo de admissão em troca de deter esse fluxo.

Com isso, o autoritário e religioso Erdogan chega mais perto de pôr o país na União Europeia, aspiração de todos os governos turcos desde os anos 1950, do que qualquer dos governos laicos anteriores, esnobados pelos europeus com o pretexto de não se comprometerem o suficiente com a democracia e os valores europeus.

A revista The Economist lamentou a vitória do AKP e prevê lutas internas no partido sobre “se o círculo de assessores econômicos heterodoxos próximos de Erdogan substituirá a equipe experiente e amigável ao mercado liderada pelo ex-ministro da economia Ali Babacan”.

Babacan, tecnocrata presente em todos os gabinetes do AKP desde 2002 e seu negociador nos foros internacionais, foi substituído em agosto pelo ex-ministro do Desenvolvimento Cevdet Yilmaz. Com a inflação razoavelmente controlada (caiu de mais de 50% anuais até 2001 para 6% a 10% desde 2004, hoje é 7,5%) o governo quer um rumo mais desenvolvimentista e pressiona o Banco Central para baixar os juros e promover o crescimento.

Isso não escandaliza Bruxelas nem o capitalismo local, a julgar pela alta da Bolsa turca após a vitória. Hoje, as regiões de maior crescimento estão no interior muçulmano, mais que nos portos ocidentais tradicionalmente laicos e voltados para o Ocidente. Mesmo assim, o futuro continuará nebuloso enquanto a guerra civil síria – em parte impulsionada pelo apoio de Erdogan aos rebeldes – acirrar os ânimos e dificultar a paz com os curdos.

por Antonio Luiz M. C. Costa

Fonte: http://www.cartacapital.com.br/

Related Articles

Mailer