Liberação de membros do ISIS se acelera na Turquia após mudança de regime na Síria

Uma nova onda de liberações de indivíduos acusados de financiar e apoiar o Estado Islâmico no Iraque e na Síria (ISIS) na Turquia gerou polêmica significativa. Tanto a polícia quanto o sistema judiciário turcos, sob o controle rígido do governo do presidente Recep Tayyip Erdogan, prenderam e detiveram muitos suspeitos ligados ao ISIS. No entanto, poucos foram condenados, o que levou à eventual soltura da maioria. Relatos recentes da mídia turca sugerem que as liberações mais recentes podem estar ligadas a demandas e negociações com o Hay’at Tahrir al-Sham (HTS), um grupo composto por ex-combatentes da Al-Qaeda e do ISIS, que desempenhou um papel significativo na derrubada de Bashar al-Assad na Síria.
Em um julgamento de alto perfil envolvendo 19 réus, 18 foram liberados enquanto aguardam julgamento, enquanto o único detido restante solicitou cidadania turca e pagou uma fiança de US$ 500 mil, conforme relatado pela mídia turca na segunda-feira. Segundo o programa de cidadania por investimentos da Turquia, indivíduos que adquirirem pelo menos US$ 500 mil em títulos do governo e mantiverem o investimento por no mínimo três anos também se qualificam para a cidadania turca. O *Nordic Monitor* havia relatado anteriormente que uma acusação submetida ao tribunal pelo Procurador-Chefe de Istambul em abril de 2024 marcou um ponto de virada para o detento Imad Machnouk, um sírio de 46 anos listado como suspeito em um caso de financiamento ao terrorismo. Machnouk foi detido ao lado de 18 outros indivíduos. De acordo com informações recebidas por um informante confidencial do *Nordic Monitor*, Machnouk havia se estabelecido na Turquia, foi registrado como refugiado, recebeu autorização de residência e obteve um número de identidade nacional (99205533826). Isso permitiu que ele abrisse empresas, contas bancárias, fizesse negócios com agências do governo turco e utilizasse serviços públicos.
Um total de 19 réus no caso de financiamento ao ISIS foram acusados de operar uma rede que transferia grandes somas de dinheiro de Raqqa, na Síria, para a Turquia e, em seguida, de volta para territórios controlados pelo ISIS na Síria. Segundo a acusação, aceita em junho de 2023, os suspeitos usavam seis empresas de fachada nos setores de turismo e joalheria para facilitar transferências ilegais de dinheiro. Essas empresas transferiram mais de 1 bilhão de liras turcas entre 2017 e 2023, utilizando amplamente o sistema informal de transferências financeiras conhecido como *hawala*. Apesar dessas alegações graves, 18 dos 19 réus foram liberados na semana passada devido à “falta de provas”.
O único detido restante, Machnouk, enfrenta acusações de associação a uma organização terrorista armada e violação da Lei de Prevenção ao Financiamento do Terrorismo. Ele também é acusado de supervisionar essas operações financeiras e administrar várias empresas que serviam como frentes para atividades de financiamento ao ISIS. Promotores pediram uma sentença de até 42 anos de prisão para Machnouk. Documentos apresentados em tribunal revelaram que ele havia solicitado a cidadania turca e pago uma fiança de US$ 500 mil como parte desse processo. Seu julgamento está marcado para fevereiro de 2025. No entanto, não seria surpreendente se Machnouk fosse liberado e seu julgamento continuasse em liberdade.
A acusação fornece detalhes do funcionamento da rede financeira. Um dos principais envolvidos identificados é Abu Alaa, também conhecido como Abd-al-Hamid Hadid, um operador sírio do ISIS que, supostamente, transferiu US$ 600 mil para a Turquia por meio de 20 transações em um único mês no início de 2023. Os fundos teriam sido movimentados pela empresa Piko Exchange, ligada a Machnouk e mencionada em relatórios da Agência Turca de Investigações de Crimes Financeiros (MASAK). As descobertas da MASAK indicam que bilhões de liras foram movimentadas pelas empresas de Machnouk desde 2017, com grande parte dos valores sendo impossível de rastrear devido ao uso do sistema *hawala*.
O escritório da empresa Al Jawad Gayrimenkul İnşaat Gida ve Ticaret Limited Şirketi, uma firma de imóveis, construção e comércio de alimentos operada pelo financiador do ISIS Imad Machnouk, está localizado no distrito de Başakşehir, em Istambul. No ano passado, ele foi temporariamente usado como um comitê de campanha local para o presidente Erdogan durante as eleições.
Apesar da gravidade das acusações, muitos observadores enxergam os casos de libertação de suspeitos de terrorismo do ISIS como reflexos de problemas sistêmicos no judiciário turco, incluindo interferência política e falta de investigações rigorosas. Machnouk, por exemplo, atraiu atenção não apenas por seu papel financeiro, mas também por suas conexões políticas. Documentos judiciais revelaram que suas empresas foram usadas como escritório de campanha local para o presidente Erdogan nas eleições de 2023. Essa conexão levantou especulações sobre a disposição do governo turco em investigar e processar completamente indivíduos com laços a redes poderosas.
Além disso, as entidades empresariais usadas no esquema incluem empresas nos setores imobiliário, turístico e de joalheria, frequentemente utilizadas para lavagem de dinheiro e transferência informal de capitais. Uma delas, a Piko Kuyumculuk, localizada no distrito de Esenyurt, em Istambul, foi identificada como um ponto-chave nessas operações financeiras. As ações das autoridades em relação a essas redes foram frequentemente motivadas por pressão internacional, particularmente da Força-Tarefa de Ação Financeira Internacional (FATF, na sigla em inglês). Em 2021, a FATF colocou a Turquia em sua “lista cinza” por deficiências no combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo.
Apesar dos esforços da Turquia, que garantiram sua remoção da lista cinza da FATF em junho de 2024, as recentes liberações de suspeitos ligados ao ISIS reacenderam preocupações sobre a sinceridade dessas ações. Críticos argumentam que as medidas foram mais voltadas a aplacar organismos internacionais do que a enfrentar genuinamente o problema do financiamento ao terrorismo.
Esse desenvolvimento ocorre após outra controvérsia envolvendo a libertação de condenados pelo ataque ao Aeroporto de Atatürk, realizado em 28 de junho de 2016. Naquele ataque suicida, levado a cabo por membros do ISIS, 45 pessoas morreram e 236 ficaram feridas. Inicialmente, seis dos acusados foram condenados em 2018 à prisão perpétua agravada por “violação da constituição” e “homicídio premeditado”. No entanto, no dia 12 de dezembro de 2024, a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Cassação revisou as penas, alegando que a justificativa para a pena máxima era insuficiente, e ordenou a libertação de seis detidos enquanto aguardam novos procedimentos legais.
A libertação alimentou especulações de que esses casos podem ter sido discutidos durante uma visita de Ibrahim Kalın, chefe da inteligência turca, a Damasco. Relatos indicam que Kalın teria se encontrado em 12 de dezembro com Ahmad al-Sharaa, líder do HTS (Hay’at Tahrir al-Sham), supostamente negociando os termos dessas liberações.
Essa postura também não seria uma novidade para o presidente Erdogan, que já facilitou a soltura de membros do Hizbullah Turco em troca de apoio político. Desde 2014, Erdogan formou alianças discretas com o braço político do Hizbullah, o HÜDA-PAR, facilitando a libertação de condenados, incluindo assassinos responsáveis por dezenas de mortes nos anos 1990 e 2000. Nas eleições gerais de 2023, o HÜDA-PAR conseguiu eleger cinco deputados sob a lista do partido de Erdogan, consolidando ainda mais essa aliança política controversa.