Críticos apontam ato pró-Gaza de grupos aliados a Erdoğan como devido ao comércio contínuo da Turquia com Israel

Críticos acusaram grupos apoiadores do presidente turco Recep Tayyip Erdoğan de hipocrisia após organizarem um comício de solidariedade a Gaza altamente divulgado em Istambul na quarta-feira, citando relatórios que revelam embarques contínuos de petróleo bruto da Turquia para Israel, apesar de um embargo.
Em 1º de janeiro, mais de 400 organizações da sociedade civil participaram de uma marcha até a Ponte de Gálata, organizada pela Fundação da Juventude Turca (TÜGVA) e pela Plataforma da Vontade Nacional, sob o lema “Ontem Santa Sofia, Hoje Omíada, Amanhã Al-Aqsa”.
O slogan faz referência à controversa conversão da Santa Sofia em mesquita em 2020, amplamente celebrada pelos apoiadores do governo como uma recuperação do patrimônio islâmico. A frase “Hoje Omíada” alude à oração altamente divulgada pelo chefe de inteligência turco İbrahim Kalın na Mesquita dos Omíadas, em Damasco, após a queda do presidente sírio Bashar al-Assad em dezembro, sinalizando a influência da Turquia na Síria pós-Assad. “Amanhã Al-Aqsa” simboliza aspirações por maior liderança política e simbólica no mundo muçulmano, particularmente relacionada à liberação da Mesquita de Al-Aqsa em Jerusalém.
O evento contou com um discurso de Bilal Erdoğan, filho do presidente Erdoğan, que declarou o apoio inabalável da Turquia a Gaza, à Palestina e à Síria, afirmando: “Ninguém deve pensar que a Turquia está dormindo. Estamos aqui, a Turquia está aqui.”
Acusações de hipocrisia devido ao comércio com Israel
Críticos apontaram para políticas contraditórias da Turquia, já que um relatório da campanha Stop Fueling Genocide revelou que 10 embarques de petróleo bruto foram feitos da Turquia para Israel em 2024, violando o embargo anunciado por Ancara. Os embarques, rastreados via imagens de satélite e dados de transporte marítimo, incluíam petróleo bruto azeri transportado pelo oleoduto Baku-Tbilisi-Ceyhan, uma fonte chave para as importações de petróleo bruto de Israel.
O relatório detalhou como navios-tanque, como o Kimolos e o Seavigour, frequentemente desligavam seus sinais de rastreamento no leste do Mediterrâneo para ocultar seus movimentos, com evidências mostrando entregas ao terminal EAPC de Israel, em Ashkelon. Essa revelação contradiz as declarações do ministro de energia da Turquia, que havia negado qualquer envio a Israel desde o início do embargo em maio de 2024.
Críticos usaram essas descobertas como evidência de hipocrisia, acusando o governo Erdoğan de usar retórica pró-Palestina enquanto facilita o comércio com Israel. Ativistas argumentam que o petróleo bruto refinado em Israel ajuda a abastecer equipamentos militares israelenses.
Israel tem sido amplamente condenado por suas ações em Gaza.
Protestos e repressão
Durante o comício, um grupo de manifestantes carregando uma faixa com os dizeres “Zim assassina e Maersk assassina, facilitadoras do sionismo, saiam da Turquia” foi impedido de entrar. Zim e Maersk são grandes empresas internacionais de transporte marítimo, acusadas por manifestantes de facilitar operações militares israelenses ao transportar mercadorias e materiais para Israel.
O grupo argumentou que sua mensagem estava alinhada com a postura pró-Palestina do comício, mas os organizadores citaram preocupações logísticas e diretrizes para justificar a exclusão. Três pessoas foram detidas após o desacordo, mas posteriormente liberadas.
O comício contou com a presença de altos funcionários, incluindo o ministro da Juventude e Esportes Osman Aşkın Bak, o ministro da Indústria e Tecnologia Mehmet Fatih Kacır, o ministro do Comércio Ömer Bolat e o presidente da TÜGVA İbrahim Beşinci, além de vários membros do partido AKP e líderes da sociedade civil. No entanto, a reação pública nas redes sociais, ampliada por postagens de figuras proeminentes, acusou o governo de organizar o evento como uma demonstração performativa para desviar a atenção de suas políticas hipócritas.
Em dezembro, nove ativistas que interromperam o discurso de Erdoğan no dia 29 de novembro, durante o Fórum Mundial da TRT em Istambul, acusando o presidente de hipocrisia por supostamente facilitar embarques de petróleo bruto para Israel, foram detidos e posteriormente presos por um tribunal em 2 de dezembro. Eles foram liberados no dia 6 de dezembro, após seus advogados entrarem com um recurso contestando as prisões.
As detenções geraram indignação entre grupos de direitos humanos e ativistas. Críticos argumentam que o governo Erdoğan está reprimindo a dissidência enquanto permite um comércio que contradiz sua retórica pró-Palestina.
Contexto e alertas de especialistas
Especialistas alertam que, se o Tribunal Internacional de Justiça concluir que as ações de Israel em Gaza constituem genocídio, aqueles que facilitarem Israel poderão ser considerados cúmplices. Grupos de defesa apelam à Turquia para que cumpra seu embargo e alinhe suas políticas com seu declarado apoio à causa palestina.
Israel lançou uma campanha militar em Gaza após um ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023, que resultou na morte de 1.206 pessoas e no sequestro de cerca de 250 reféns.
De acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, o exército israelense matou pelo menos 45.581 palestinos e feriu 108.438 desde 7 de outubro de 2023.
Um relatório divulgado pela Anistia Internacional em 5 de dezembro conclui que as ações de Israel em Gaza qualificam-se como genocídio.