Por que Israel-Hamas é a nova ‘missão impossível’ de Erdoğan
Depois de lutar para mediar na Rússia-Ucrânia, o líder turco mergulha em uma nova causa aparentemente sem esperança.
O Presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdoğan, tem enfrentado dificuldades em seus esforços para mediar na guerra Rússia-Ucrânia.
Mas, após o chocante massacre do Hamas em Israel, ele está em busca de uma nova chance para desempenhar o papel de pacificador.
Enquanto potências globais, incluindo os Estados Unidos e os países do Golfo, trabalham nos bastidores para evitar que o conflito Israel-Hamas se espalhe, o presidente turco tem se envolvido em sua própria marca agitada de diplomacia.
“Estou tendo conversas com líderes regionais… tentando descobrir como podemos mediar e interromper esta guerra”, disse ele nesta semana, após conversas com, entre outros, o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, e o Presidente Russo, Vladimir Putin.
Ele também conversou com o Presidente Israelense, Isaac Herzog, o líder palestino Mahmoud Abbas, bem como os líderes egípcios, libaneses e catarianos.
Até a televisão estatal turca afirmou na noite de quarta-feira que a Turquia havia iniciado um processo de negociação para a libertação de prisioneiros mantidos pelo Hamas em Gaza.
Há razões para levar a sério a ofensiva diplomática de Erdoğan.
Ele tem tentado há muito tempo elevar a Turquia como uma grande potência no Oriente Médio, estabelecendo laços econômicos em toda a região e enviando tropas turcas para o norte da Síria. Recentemente, ele melhorou as relações com Israel, não menos importante por seu primeiro encontro pessoal com o Primeiro-Ministro Benjamin Netanyahu, nas margens da Assembleia Geral da ONU em Nova York no mês passado.
Mas Erdoğan está realmente bem posicionado para a tarefa desafiadora de mediar entre um Hamas beligerante e um Israel vingativo?
Muitos observadores acreditam que o ataque do fim de semana destruiu qualquer perspectiva de estabilidade regional a curto prazo, e o próprio Erdoğan alertou que a guerra não vai parar “em uma ou duas semanas”.
Um alto funcionário turco, que pediu anonimato para falar francamente sobre questões sensíveis, disse à POLITICO que “qualquer papel de mediação neste ponto é uma missão impossível”. Acrescentou que, após o ataque terrorista do Hamas, que matou mais de 1.000 pessoas, Israel “provavelmente manterá distância de qualquer compromisso”.
Analistas regionais veem outros obstáculos para uma diplomacia bem-sucedida.
Selin Nasi, uma pesquisadora visitante no Instituto Europeu da London School of Economics, destaca um obstáculo adicional: a simpatia de Ancara pelo Hamas, que a Turquia não considera uma organização terrorista, embora os EUA e a UE o tenham designado como tal.
Nasi disse que “o histórico do partido AKP de Erdoğan em fornecer refúgio seguro para líderes do Hamas” erodiu a confiança entre a Turquia e Israel.
Ela também afirma que Ancara mantém relações mais calorosas com o Hamas, que governa a Faixa de Gaza desde 2007, do que com o Fatah de Abbas, que detém influência sobre os territórios menos radicalizados da Cisjordânia.
“Sob o governo AKP, a política palestina de Ancara se aproximou do Hamas – ou relativamente favoreceu o Hamas em relação ao Fatah – nas últimas duas décadas, o que suscitou críticas não apenas de Israel, mas também dos EUA”, disse Nasi.
Até que o AKP chegou ao poder em 2002, a Turquia tradicionalmente tinha relações políticas e militares próximas com Israel. No entanto, os laços entre os dois países foram praticamente rompidos em 2010, após soldados israelenses atacarem o Mavi Marmara, um navio turco que tentava romper o bloqueio de Gaza, matando 10 ativistas turcos.
Erdoğan subsequentemente se voltou contra Israel, chamando-o de um estado assassino. A causa palestina é querida para a ideologia islamista de Erdoğan, que sustenta seu governo de duas décadas na Turquia.
No entanto, nos últimos anos, a Turquia tem tentado melhorar as relações em sua vizinhança – incluindo com Israel – um esforço que deu frutos com o encontro de Erdoğan e Netanyahu em Nova York.
Antes que o Hamas desestabilizasse a região novamente lançando os ataques em Israel no fim de semana passado, os dois líderes concordaram em organizar visitas mútuas em um futuro próximo, e até foi relatado que Erdoğan estava interessado em orar na Mesquita de Al-Aqsa, em Jerusalém, para marcar o centenário da República Turca em 29 de outubro.
Soli Özel, analista político veterano da Universidade Kadir Has, em Istambul, observa que os dois países têm interesses em comum e que Netanyahu e Erdoğan parecem ter “esquecido o quanto não gostavam um do outro”.
Ambos os países, por exemplo, são aliados do Azerbaijão em seu conflito com a vizinha Armênia e o ajudaram a recuperar terras durante uma guerra em 2020, antes da captura relâmpago da região etnicamente armênia separatista de Nagorno-Karabakh no mês passado.
“A comunidade de interesses entre os dois países, conforme sua colaboração direta ou indireta no Cáucaso mostra, supera as antipatias pessoais”, disse Özel. “O rival comum para os dois, embora eles tenham maneiras diferentes de lidar com esse desafio, é o Irã.”
Mas ele acrescentou que Erdoğan provavelmente adotaria uma postura mais rígida com Israel à medida que o custo humano da guerra aumentasse, e na quinta-feira o líder turco criticou o cerco israelense à Faixa de Gaza e a decisão dos EUA de enviar um porta-aviões para a região.
“Não queremos que os conflitos se espalhem para nossa região, em vez de apoiar cegamente alguém, pedimos aos atores influentes que reduzam a tensão”, disse Erdoğan.
Quanto à influência que a Turquia pode ter sobre o Hamas, Özel acredita que o Hamas “ficará mais atento aos sinais vindos de Teerã”, onde o regime iraniano tem apoiado o grupo militante palestino por anos.
Nasi, da LSE, acrescentou que Israel está pedindo apoio internacional claro durante a crise.
“Israel quer saber onde estão seus aliados e inimigos, assim como a administração Bush fez após o 11 de setembro”, disse ela.
“Do ponto de vista de Israel, tudo se resume a saber se Israel vê a Turquia como um aliado confiável.”
Fonte: Why Israel-Hamas is Erdoğan’s new ‘mission impossible’ – POLITICO