Turquia prende estudantes por protestarem contra ofensiva militar
Ancara detém alunos da Universidade do Bósforo por manifestações contrárias a operação turca contra curdos na Síria. Presidente Erdogan os considera “terroristas”. Grupo afirma que ele quer controlar ensino.
Tilbe Akan fala rápido e parece ainda não acreditar no que está acontecendo no campus da universidade onde estuda: “Eles nos xingaram e nos arrastaram para dentro do carro da polícia, feito criminosos”, conta a estudante de jeans, blusa cáqui e casaco de tricô vermelho-vinho.
Tilbe, de 23 anos, é uma dos cerca de 20 estudantes da Universidade Bogaziçi, em Istambul, presos nos últimos dias por criticarem a intervenção militar turca no norte da Síria. Depois de mais de oito horas em custódia policial, Tilbe foi liberada. Mas muitos de seus colegas continuam detidos.
Segundo o advogado Inayet Aksu, forças de segurança realizaram duas buscas e invadiram vários dormitórios no campus da universidade e uma residência. “Eles chegaram por volta de seis horas da manhã, fortemente armados. Faz mais de 15 anos que não acontece algo assim nessa universidade”, diz Aksu.
A estatal Bogaziçi, também conhecida como Universidade do Bósforo, é uma das escolas superiores mais famosas da Turquia, onde estudaram políticos, empresários e artistas de renome. Ela é também apreciada por estudantes de intercâmbio do mundo todo.
Entre os atualmente presos, há vários membros da associação estudantil marxista Marksist Fikir Topluluğu. Tilbe Alkan, que cursa Línguas, Literatura e Cinema e, é membro do grupo há vários anos. Ela foi presa quando queria protestar contra as buscas, e agora faz acusações graves contra a polícia.
“Eles nos bateram, inclusive na cabeça. Um [dos estudantes] está com o nariz quebrado. Todos nós providenciamos atestados médicos”, diz Tilbe, mostrando os arranhões cor-de-rosa que tem no pulso.
Contra intervenção
Aparentemente, o motivo das prisões foi uma disputa no campus da universidade em 19 de março – um dia depois que rebeldes do Exército Livre Sírio (FSA), apoiados pelo Exército turco, tomaram a cidade de Afrin, no norte da Síria, das mãos dos curdos.
Um grupo de estudantes havia montado um estande para distribuir doces que chamaram de “Afrin delight” (delícia de Afrin), em homenagem aos soldados turcos mortos durante o combate. Um outro grupo de estudantes, na maioria de tendência esquerdista, os confrontou com faixas antiguerra com dizeres como “Nada de doce para ocupações e massacre”. No Twitter, alguns estudantes escreveram “Não queremos terroristas na nossa universidade”.
“Não dá para comemorar uma guerra”, protesta Tilbe Akan, decidida. Mas, segundo ela, o problema começou mesmo quando as fotos de sua faixa de protesto foram divulgadas nas redes sociais. “De repente, estávamos sendo xingados de terroristas e de apoiadores do PKK [Partido dos Trabalhadores do Curdistão, classificado como organização terrorista pelo governo de Ancara]. Fomos acusados de ofender a nação turca e os soldados mortos na ocupação.”
“Juventude boa” versus “juventude má”?
A direção da instituição de ensino tem argumentação similar. Em comunicado, o reitor condenou os protestos dos opositores ao conflito: “Não toleramos terrorismo. Esse grupo de poucas pessoas não representa a universidade.”
Paralelamente às investigações policiais, a instituição iniciou um processo disciplinar contra os estudantes. O novo reitor da Universidade do Bósforo, até então conhecida por sua orientação bastante liberal, assumiu o cargo em 2016 nomeado pessoalmente pelo presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan.
O líder conservador-islâmico também já interferiu no debate. Para ele, os ativistas antibélicos são “traidores comunistas” que teriam tentado atrapalhar uma ação da “juventude religiosa, nacionalista”, afirmou a membros de seu partido, o AKP, durante discurso recente em Samsun, no litoral turco do Mar Negro. “Não vamos permitir que essa juventude terrorista tenha o direito de estudar nas nossas universidades”, prometeu Erdogan.
“Desde que Erdogan fez esse discurso, cada vez mais gente entra na mira”, explica o advogado Inayet Aksu. Durante uma segunda busca, mais estudantes foram presos: “Como ele pode estigmatizar publicamente esses jovens, sem nenhuma prova? Desse jeito o presidente se transforma em juiz.”
Tilbe Akan acredita que as prisões não são coincidência. “Erdogan está usando essa guerra para fazer calar toda a oposição. Ele a usa para roubar nossa liberdade de opinião e tirar a autonomia das universidades. Ele quer criar uma geração tacanha, que só conhece uma opinião: a dele. E por isso quer controlar as escolas e as universidades”, acusa a estudante.
Fonte: http://www.dw.com/pt-br/