Entenda por que EUA e Rússia permitem avanço turco na Síria
Disputas com a Rússia nos Balcãs sempre colocaram a Turquia e o governo russo em posições de conflito. Foi assim na Guerra da Crimeia (1853-1856) e também na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), quando o Império Otomano, enfraquecido, se desmantelou, originando a atual Turquia, em parte do território.
Mas, pelo fato de a Turquia integrar tanto a Ásia quanto a Europa, manter laços com os turcos também se tornou interessante para qualquer país ocidental, na busca de ter facilitada uma passagem que permita o transporte de produtos desde o Oriente Médio. A localização estratégica do país foi decisiva para sua entrada na Otan, em 1952, selando formalmente uma aliança com o Ocidente e, por conseguinte, com os Estados Unidos.
Pois bem. A Guerra da Síria, expôs, enfim, todos os interesses dos países na região. Diríamos que, como todos os acontecimentos geopolíticos dos séculos 20 e 21, parte desse conflito é mais uma consequência da Primeira Guerra. Interesses que ecoam desde este passado têm feito novamente Turquia, Rússia e Estados Unidos entrarem em conflito. Mas, por outro lado, os novos tempos mudaram algumas configurações e tornaram também necessária uma relação amistosa com a até então hostil Turquia.
Esta nova configuração tem possibilitado a entrada da Turquia na Síria, para combater o grupo curdo YPG (Unidades de Proteção Popular), até então apoiado pelos Estados Unidos. Alas ligadas a movimentos nacionalistas na região curda da Síria compõem o grupo, situado dentro do Curdistão sírio (outras partes do Curdistão estão no Iraque e na Turquia). Nenhum desses países reconhece o desejo de implantação de uma nação curda nesses territórios.
Mas, a partir da derrocada do Daesh na região, os curdos, que vinham ajudando os americanos a combaterem o grupo radical, novamente ficaram isolados. A saída dos Estados Unidos dos combates na região de Afrin foi um convite à entrada da Turquia, a partir de janeiro último.
Nos tempos atuais, vale lembrar, o expansionismo não se faz mais somente através do domínio territorial de um país. Para a Rússia, que apoia o governo da Síria, com o objetivo de manter a passagem de gasodutos na região, uma aliança com a Turquia também é importante.
Os dois países, Rússia e Turquia, vinham tendo as relações arranhadas, inclusive após a morte do embaixador russo na Turquia, Andrei Karlov, em dezembro de 2016 em Ancara. Acontece que a Turquia também é um potencial comprador de armas russas, firmando recentemente um acordo para a aquisição de sistemas antiaéreos russos S-400.
A Rússia também participa da construção de uma usina nuclear em território turco. O início dos trabalhos foi formalizado no último dia 10 de dezembro, em evento na cidade de Mersin, costa do Mar Mediterrâneo.
A inauguração desta usina, denominada Akkuyuo, está prevista para acontecer a partir de 2023. O complexo deverá produzir algo em torno de 35 bilhões de quilowatts-hora (kWh), suficiente para que 7 milhões de residências consumam eletricidade. Quem está realizando o projeto, orçado em 22 bilhões de dólares, é a companhia russa Rosatom, estatal especializada em energia nuclear.
Incomodados, os Estados Unidos até teriam marcado outra reunião com o governo turco, na tentativa de oferecer mísseis Patriots para substituir a compra dos S-400. E já declararam que o apoio ao grupo curdo na Síria diz respeito apenas a questões internas daquele país. Os cuidados do governo americano em relação à Turquia visam, inclusive, não perder um aliado da Otan, em uma importante região.
Desta maneira, o governo turco não tem se intimidado em enviar forças para combater na Síria. Ao lado dos rebeldes do Exército Livre da Síria, já tomou a região de Afrin e, agora, está prestes a dar suporte para um corredor até a cidade de Idlib, onde grupos radicais islâmicos, contrários ao presidente sírio Bashar al-Assad, controlam a região.
A história já mostrou que muitas dessas incursões, com o tempo, culminaram na ampliação de fronteiras. Esta neutralidade “moderna” dos Estados Unidos e da Rússia em relação ao governo turco está sendo, na prática, uma aliança. Que pode até possibilitar que a Turquia recupere uma parte do antigo Império Otomano. Velhos e novos tempos.
Eugenio Goussinsky
Fonte: https://noticias.r7.com/