As tropas americanas que estão apoiando os curdos ‘virarão alvos’ diz a Turquia
Temores de confrontos entre Ancara e Washington aumentaram depois que dois planos militares para se evitar uma escalada de conflitos no norte da Síria colidiram pois tropas turcas entraram em choque com grupos milicianos apoiados pelos EUA no norte da Síria.
As tropas turcas começaram um ataque terrestre em Afrin, um área do norte da Síria controlada por milícias de maioria curda em 20 de janeiro, tendo visto os planos dos EUA para unirem as Forças Democráticas Sírias (FDS), de maioria curda, como equivalente a criar um “exército terrorista” unido em sua fronteira.
Em 25 de janeiro, Bekir Bozdag, porta-voz do governo da Turquia, contou à emissora A Haber (tradução realizada pela Reuters): “Os que apoiam a organização terrorista [as YPG] virarão alvos nesta batalha”.
“Os Estados Unidos precisam reavaliar seus soldados e elementos que estão dando apoio a terroristas na região de uma forma que evite um conflito com a Turquia”, disse Bozdag.
Em 14 de janeiro, foi relatado que a coalizão liderada pelos EUA, que tem apoiado grupos milicianos em sua luta contra o Estado Islâmico (EI) no norte da Síria, estaria se preparando para unir esses grupos e fornecer mais treinamento para criar uma “força conjunta fronteiriça” de 30.000 combatentes.
A Turquia, e a Rússia, condenaram imediatamente a proposta. O presidente turco Recep Tayyip Erdogan ameaçou “afogar” a força fronteiriça, dizendo que ela constituiria um “exército terrorista” na fronteira turca.
Então, em uma declaração em 17 de janeiro, um porta-voz do Departamento de Defesa dos EUA disse que não havia um novo exército ou “força fronteiriça”, mas que o apoio dos EUA às milícias sírias continuava, particularmente no fornecimento de treinamento.
Em uma coletiva de imprensa em 18 de janeiro, Heather Nauert, porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, reiterou isso, mas foi ambígua quanto a planos para uma força conjunta de segurança síria. Quando lhe perguntaram sobre instruções que se referiam a uma força fronteiriça de 30.000, Nauert disse: “esta é uma força de segurança interna. Sua missão é focar no ISIS”. Ela também se referiu a referências oficiais à força fronteiriça como uma “declaração incorreta”.
Quem é quem
- Uma coalizão liderada pelos EUA comanda a “Força Tarefa Conjunta Combinada — Operação Determinação Inerente”, uma aliança estratégica para derrotar o Estado Islâmico (EI), operando no Iraque e na Síria, formada no final de 2014.
- A força tarefa tem apoiado uma rede diversa de grupos milicianos conhecida como as Forças Democráticas Sírias (FDS).
- As FDS são dominadas pelas YPG, um grupo miliciano principalmente curdo.
- As YPG são ditas como sendo aliadas do partido turco PKK, que a Turquia proscreve como um grupo terrorista. O PKK recebeu a mesma designação pelo Departamento de Estado dos EUA e a União Europeia, apesar de que um tribunal europeu disse em 2008 que ele deveria ser retirado da lista.
- Em 2016, as forças turcas apoiaram rebeldes sírios na “Operação Escudo do Eufrates”, com a missão de expulsar o EI sem permitir que forças curdas tomassem controle na ausência dos militantes.
- O governo de Erdogan é um membro da coalizão liderada pelos EUA, e da OTAN, mas também é uma aliada do presidente russo Putin, que tem fornecido apoio militar ao governo de Assad na Síria.
Linha do tempo
- Em maio de 2017, a força tarefa conjunta expandiu seu apoio às FDS, fornecendo armamentos leves e também apoio aéreo e treinamento.
- Em outubro de 2017, a Turquia deslocou tropas para o norte da Síria — em apoio ao Exército Sírio Livre — novamente para assegurar que os curdos não expandissem seu território.
- Em dezembro de 2017, a força tarefa conjunta anunciou sua intenção de expandir seu programa de treinamento para recrutas às FDS. A agência de notícias curda Hawar News logo relatou que esse era um passo preliminar na formação de uma força de segurança unida.
- Em 13 de janeiro, a força tarefa conjunta contou ao The Defense Post que tem a intenção de auxiliar as FDS para formar uma força fronteiriça síria unificada, para evitar que combatentes do EI cruzassem as fronteiras turcas e iraquianas ou apoio de ir no outro sentido. Espera-se que a força fronteiriça acabe chegando ao número de 30.000, incluindo por volta de 15.000 forças das FDS relocadas, significando que ela pode ficar altamente dependente das YPG.
- Em 15 de janeiro, Erdogan prometeu “afogar” a força fronteiriça antes que nascesse, descrevendo-a como um “exército terrorista”.
- As tropas turcas começaram a se acumular na fronteira em 16 de janeiro, e as forças turcas que ainda estavam na Síria bombardearam as forças curdas em Afrin, de acordo com a BBC.
- A Hawar News relatou mais ações das forças armadas turcas, incluindo a construção de uma trincheira fronteiriça, em 17 de janeiro. Essas reportagens ainda têm que ser confirmadas por uma mídia neutra.
- Forças terrestres turcas começaram uma ofensiva em Afrin, com o codinome “Operação Ramo de Oliveira”, em 20 de janeiro.
- A mídia estatal turca relatou que, na “Operação Ramo de Oliveira”, as forças turcas, em cooperação com grupos rebeldes do Exército Sírio Livre, capturaram quatro vilas e uma montanha importante estrategicamente na noite de 21 de janeiro.
- Erdogan disse em um discurso em 22 de janeiro que a Rússia havia dado sua aprovação para que a Turquia realizasse suas ameaças e aniquilasse os grupos milicianos de maioria curda que estivessem mantendo partes do norte da Síria.
Relações curdas a fundo
Verena Gruber, que estuda as relações políticas entre grupos curdos, deu à WikiTribune uma visão geral dos relacionamentos em jogo.
Gruber disse que os relacionamentos entre esses grupos são “fluídos” e, baseados em “oportunismo e parcialmente em ideologia, história e linhagens tribais”.
- Na Turquia, o PKK é o ator dominante, mas contém diferentes dimensões e facções. Essas incluem uma ala militar, uma ala política, os seguidores obstinados de Abdullah Ocalan, líder preso e membro fundador, e os que buscam uma adaptação diferente da ideologia do grupo. Existem também outros grupos curdos na Turquia.
- Na Síria, existe o Partido da União Democrática (PYD) e sua ala militar, as YPG. Eles não são os únicos atores curdos na Síria. Outros partidos curdos incluem o Partido Democrático Curdo da Síria (KDPS).
- No iraque fica mais complexo. Gruber diz que existem duas forças “dominantes”, o Partido Democrático do Curdistão (KDP) e a União Patriótica do Curdistão (PUK). Existem outros atores, tais como o Partido Islâmico ou Gorran ou as forças Yezidi.
- Existem também grupos curdos iranianos, que podem estar ou tornarem-se envolvidos em embates entre a Turquia e as YPG. O militante Partido da Vida Livre do Curdistão (PJAK) esteve aliado com o PKK no passado.
“O KDP do Iraque certamente está apoiando o KDP da Síria”, explicou Gruber. “Eles, contudo, apoiam menos o PYD, que se orienta ideologicamente com Ocalan (notem que Ocalan é o maior rival do clã Barzani, que chefia o KDP do Iraque)”.
“Isso, novamente, contudo, nem significa que o KDP possa não apoiar as YPG, nem que o PYD seja dirigido pelo PKK. O PYD adere (assim como o PKK) à base ideológica de Ocalan (que se põe em uma clara competição à ideologia tradicional, baseada em tribos do KDP), mas ele não fica sob o comando do QG do PKK”, disse Gruber.
“Dado que o PKK é ideologicamente muito próximo e militarmente muito experiente, é óbvio porque o PYD e as YPG certamente se identificam com o PKK em termos de assistência necessária e até conselho estratégico”, disse ela.
Para “fechar o círculo”, disse Gruber, o PUK “joga mais ao longo das linhas do PKK e PYD” pois ambos foram fundados originalmente sobre uma ideologia esquerdista similar e ambos estão em competição com o KDP. Isso faz o PUK “mais suscetível a apoiar o PYD politicamente e as YPG militarmente”, acrescentou Gruber.
Jack Barton
Traduzido do artigo original em inglês retirado do site www.wikitribune.com