Trump, Erdogan e os curdos: os novos passos na guerra civil síria
A tensão que era prevista para o encontro entre o presidente Donald J. Trump com seu homólogo turco Recep Tayyip Erdogan não obteve o impacto aguardado por analistas internacionais, devido, em grande parte, ao aprofundamento do escândalo envolvendo o demitido Diretor do Federal Bureau of Investigation, James Comey, que investigava altos funcionários da cúpula da atual administração em atividades consideradas duvidosas com o Governo russo, a incluir o Presidente estadunidense.
Embora haja inconsistências e incertezas no plano interno quanto a governabilidade de Trump para o futuro, o encontro com Erdogan serviu inicialmente para que os dois países voltassem a ter uma aproximação diplomático-estratégica, após a tentativa frustrada de golpe militar, em julho de 2016.
A pauta da reunião bilateral à luz dos acontecimentos recentes envolvendo vários atores na guerra civil síria tinha como objetivo pela via turca evitar o apoio dos EUA aos membros do grupo insurgente moderado Syrian Democratic Forces (SDF, na sigla em inglês), bem como seu braço armado, Syrian Kurds of the People’s Proctection Units (YPG, na sigla turca), que é ligado ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK, na sigla turca), um braço político classificado tanto por turcos como por americanos como organização terrorista e que luta uma insurgência sangrenta com Ancara há, aproximadamente, três décadas.
Como a derrota do autoproclamado Estado Islâmico, ou Islamic State of Iraq and al-Sham (ISIS, na sigla em inglês) é uma promessa de campanha de Trump no âmbito de sua política externa, a estratégia elaborada por seus conselheiros militares e Serviços de Inteligência passa pelo uso de forças mistas de lutadores curdos e árabes com apoio irrestrito do poderio aéreo e artilharia dos EUA nas imediações de Raqqa, capital do autoproclamado Califado Islâmico e último grande reduto insurgente após os embates em Mossul, no Iraque.
Na visão de Ancara, como consequência, o apoio estadunidense à insurgência curda na Turquia poderá ameaçar a integridade territorial do Estado turco, haja vista que o poderio de representação do PKK esteja estimado em 15 milhões de curdos dentro das fronteiras da Turquia, ou seja, um quinto da população.
Nesse sentido, não podendo derrotar militarmente o Partido dos Trabalhadores do Curdistão, o bloqueio contra a união da população curda tem sido a forma mais efetiva neste embate de trinta anos entre os dois povos.
Como alternativa ao impasse geopolítico na Síria, a posição de Ancara privilegia o uso de forças sunitas sírias treinadas pela própria Turquia, como um contraponto ao desejo de Washington de armar insurgentes curdos. No cenário desenvolvido por Erdogan, essa iniciativa possivelmente evitaria que o Partido de União Democrática (PYD, na sigla em turco) formasse um Estado contíguo ao longo da fronteira sul da Turquia, o que aumentaria drasticamente o alcance do PKK, pressionando as forças turcas a lidar simultaneamente com a insurgência do PKK dentro do país e no Estado aliado ao sul.
No âmbito conjuntural de Washington, o panorama traçado pela administração Trump está restrito inicialmente apenas à derrocada do Estado Islâmico e, ao ignorar os anseios de Teerã ao protagonismo da ordem regional, cria-se a possibilidade de um cenário de instabilidade interna na Turquia, ao inserir o Irã como aliado do PKK/PYD.
De acordo com especialistas em Relações Internacionais consultados, seria difícil, mesmo com o reconhecimento do papel do Irã nas instabilidades do Oriente Médio, que os EUA adotassem uma estratégia para contê-lo, pois a preferência é pela campanha militar contra o Estado Islâmico, uma promessa de campanha, classificada como “boa guerra”, com apoio popular, baixa possibilidade de tropas norte-americanas em solo e vitória à vista, algo que condiciona a estratégia de Trump dando a esse foco prioridade incontestada para suas ambições políticas e sobrevida na Casa Branca.
Um fato crítico a essa iniciativa, em complemento ao posicionamento estadunidense, está atrelado a baixa possibilidade do Estado Islâmico em transformar a ordem do Oriente Médio. Em contrapartida, Irã e seus aliados tem essa prerrogativa. Sendo assim, Washington pode estar concentrando sua política externa para o Oriente Médio em vitórias de bom senso tático, mas ignorando os preceitos políticos e arriscando perdas no longo prazo.
Originalmente publicado em: http://www.jornal.ceiri.com.br